Óscar Afonso, Expresso online (055 22/01/2020)
Curiosamente, sociedades com condições geográficas e económicas semelhantes e sujeitas a influências semelhantes desenvolvem tipos de estados muito diferentes. Num extremo estão os Estados (e elites) fracos com pouca capacidade para regular as relações económicas ou sociais, podendo dar origem à anarquia. No outro extremo estão os Estados despóticos, absolutos e extrativos, que dominam a sociedade civil e que quanto mais se enraízam mais estabelecem uma hierarquia difícil de mudar, mais enfraquecem a sociedade, e mais se auto-enfraquecem. No entanto, há também Estados (e elites), inclusivos, que, sendo reformadores, competem continuamente com a sociedade civil (não elite) firme e assertiva, e são estes que prosperam. Desde logo porque a competição Estado-Sociedade desencadeia maiores investimentos por parte do Estado particularmente nos serviços/bens públicos, no cumprimento da lei e da ordem, ou na justiça. Consoante o contexto – anarquia, despotismo, ou Estado inclusivo – as mesmas pessoas podem viver em pobreza extrema num país e prosperar quando mudam para outro.
Dependendo imenso das condições iniciais, a relação Estado-Sociedade conduz-nos a diferentes situações. Uma situação extrema correspondente a um Estado fraco que começa por lidar com uma sociedade civil forte que, por exemplo, desenvolve normas sociais que limitam a hierarquia política; a dinâmica desta situação conduz à anarquia e deixará de haver “rei”, símbolo tradicional da soberania de um Estado, mas também “roque”, ou seja, as proteções sociais à população que eram, em última instância, garantidas pela autoridade soberana do “rei”. Outra situação extrema correspondente a um Estado despótico e tem origem em condições iniciais onde o Estado começa por ser poderoso e a sociedade civil é fraca, levando a um extrativo, a um “rei”/Estado absoluto, que nada produz, mas que se alimenta do que a sociedade medrosa, sem “roque”,produz. Uma outra situação, desejável, emerge quando a relação Estado-Sociedade é equilibrada; neste último caso, cada parte tem maiores incentivos para investir na relação e o resultado são Estados e Sociedades fortes, havendo “rei e roque”.
São apenas as condições iniciais que determinam a relação Estado-Sociedade? Não, neste processo a relação Estado-Sociedade depende também de fatores estruturais, como a geografia, a ecologia, os recursos naturais, a economia, as elites que controlam as instituições estatais, e as condições ou ameaças externas que são condicionais no sentido em que podem (ou não)“deslocar” a relação para tornar o Estado inclusivo com “rei e roque”.
No caso inglês, por exemplo, as comunidades locais lideraram o caminho na organização da aplicação da lei, na provisão de bens públicos e na resolução de conflitos nos primeiros períodos modernos. O governo foi moldado mais por pressões da sociedade do que pelos esforços de reis ou de oficiais, sendo que muitas iniciativas emanadas do Estado decorreram de necessidades sociais; caso, por exemplo, das leis Elizabet a nas dos pobres. Notadamente, houve um feedback bidirecional da Sociedade para o Estado e de volta para a sociedade. O crescimento do Estado atraiu comunidades provinciais numa sociedade nacional mais integrada, e introduziu uma nova profundidade e complexidade aos seus padrões locais de estratificação social. A expansão do estado imposta pela sociedade também mudou a sociedade. A capacidade do Estado desenvolveu-se de forma poderosa porque o Estado (e elites) se equipararam de forma uniforme com a sociedade (não elite). Embora as elites que controlam o Estado desejassem estabelecer o domínio sobre a sociedade, a capacidade da sociedade em desenvolver as suas próprias forças (sob a forma de coordenação, normas sociais e organização local) foi central, porque induziu o Estado a tornar-se ainda mais forte para competir com a sociedade.
Se as riquezas do Novo Mundo asseguraram o pluralismo político em Inglaterra que semeou as sementes do expressivo crescimento económico posterior, em Portugal solidificaram a monarquia a ponto de poder dizer-se que num extremo oposto está Portugal. No século XV, por exemplo, construiu um Estado autocrático e militarizado sob uma monarquia absolutista, apoiado por uma classe tradicional de proprietários de terras que continuou a exercer autoridade suficiente para ajudar a descarrilara democracia já no século XX. Quando este equilíbrio entre o Estado e a sociedade não é alcançado, das duas uma: (ii) ou a sociedade é poderosa e o Estado permanece fraco – a anarquia é o resultado – (ii) ou o Estado domina totalmente a sociedade fraca – o despotismo é a solução –, mas neste caso também o Estado acaba, na verdade, fraco. Com efeito, neste último caso em que a sociedade é fraca, a capacidade do Estado também é limitada porque pode controlar facilmente a sociedade e não precisa de investir muito na sua própria capacidade. E este tem sido efetivamente o caso Português, que, sem estratégia, “apenas vela ao vento”, sem reformas e com “taticismo a granel” em função dos interesses do “Rei”/Estado. Desde o absolutismo que o Estado sabe que pode obter recursos facilmente, explorando a sociedade fraca, pelo que quanto menos chatices – entenda-se reformas – melhor. Mesmo períodos recentes perturbadores da situação “com rei, mas sem roque” – adesão à EFTA, revolução de abril de 74, adesão à CEE e adesão ao euro – foram incapazes de direcionar o país para a situação de “rei e roque”, com um Estado inclusivo. E hoje, sejamos honestos, efetivamente não interessa, até é desejável, que os serviços públicos não funcionem. Há a alternativa privada fornecida por amigos pertencentes à elite. Por outro lado, a lentidão da justiça, dispendiosa e apenas acessível a alguns, assegura a usual extração de recursos por via de atividades corruptas.
Assim se entende que Portugal, fazendo parte da União Europeia (UE), se apresenta como pobre nesse contexto e, ainda assim, contra o que sustenta a teoria económica, tem também pior desempenho económico comparativamente com os países com nível de desenvolvimento semelhante; menor taxa de crescimento económico, menor capacidade de melhoria da competitividade, e maior degradação dos serviços/bens públicos. Por outro lado, não contando as barreiras à entrada que os partidos e a constituição fazem à participação da população no controlo da qualidade dos responsáveis políticos e nos atos que praticam, a sociedade fraca permite que os eleitores sejam enganados com promessas falsas e meias verdades, que apenas garantem o paraíso no futuro. As preferências políticas são casuísticas e discricionárias, vão para o que é visível ao eleitor e não para a reforma inclusiva das instituições que assegura melhor saúde, educação, lei, ordem, natalidade, investimento, inovação, empreendedorismo e ordenamento. Por outro lado ainda, a falência eminente do país por três vezes no pós 25 de abril de 1974 diz tudo. O poder político não responde aos interesses de todos e não há vergonha na prática de atos abusivos que se criticavam em anteriores detentores do poder. Nem todos os portugueses têm as mesmas oportunidades porque, se não se combatem os monopólios em geral, não se combatem a nível corporativo e político como atesta a continuidade dos mesmos de sempre. O compadrio, a criação de intermediários improdutivos e de parasitas originados pelos partidos políticos é, de facto, a regra, desprezando-se a meritocracia em favor de interesses pessoais e/ou políticos.
Em suma, o nosso contexto com “rei”, mas sem “roque” servem a elite e permitem escapar da pobreza, crescendo pouquinho, mas não permitem a ascensão da população em geral até à prosperidade média da União Europeia.