Rute Serra, Expresso online (052 02/01/2020)
Não será de hoje que o povo clama por um combate firme à corrupção. Com efeito, desde tempos quase imemoriais, que este quisto social existe e se espraia sem controlo efectivo, alarmando e constrangendo as pessoas e as economias. Já no século XIII Alighieri Dante reservou aos corruptos a fervente Quinta Bolgia do Malebolge, no seu Inferno da Divina Comédia, mas que ainda por cá andam, não se hesite em acreditar.
O que entretanto cambiou de modo indelével foi o nível de informação e exigência dos cidadãos nos seus sistemas de governação. Não, não estamos conformados com altos níveis de pequena e grande corrupção, nem com o que a inércia no seu combate nos devolve: medidas de austeridade, cortes na assistência social ou aumentos de impostos, e o governo que não perceber isto, corre riscos de pagar um preço alto no futuro. Enquanto soubermos que se reforça o orçamento da saúde nuns insuficientes 800 milhões e se desperdiçam 18.000 milhões por causa de actos corruptivos, não, não nos poderemos nunca acomodar.
Esta constatação conduz-nos a várias dúvidas metódicas sobre o real interesse de quem nos vem governando desde que vivemos em democracia, em atenuar, para dizer o mínimo, as maleitas causadas pelo entorte social causado pela corrupção. Uma má gestão (prolongada) deste problema mina, necessariamente, a confiança dos cidadãos e abre brechas na coesão social, suportadas oportunisticamente por populismos. Haverá ainda incertezas sobre o quão importante é alavancar esta confiança, de modo contínuo e não só em altura de eleições?
Aparentemente sim. De que nos servirá a criação de grupos de trabalho para pensarem uma estratégia de combate à corrupção, sem o devido suporte político? De nos servirá, afinal, um documento deste género, bem capeado e alardeado com certeza, se não se atacar aquilo que realmente preocupa as pessoas como seja a falta de transparência da administração, a certa prestação de contas das instituições, a promoção da equidade perante a lei, a não discriminação ou o pugnar por um verdadeiro impulso participativo da sociedade civil? Que se ganhará em permitir que as pessoas acreditem que manter determinados níveis de corrupção interessa a uns poucos privilegiados? Não estará o justo a pagar pelo pecador? Ou já não existem justos? Renovamos neste 2020 uma esperança que acreditamos não se revelará vã.
Comece-se então por dar bons exemplos. Materializem-se sem medos as intenções em resultados concretos, provando aos cidadãos a vontade real de mitigar este problema. Não se permita que a Entidade da Transparência seja um nado-morto. Disponibilizem-se recursos. Não se deixe estrangular dolorosamente a Entidade das Contas. Mantenham-na viva e capacitada. Respeite-se a CRESAP. Não a permitam moribunda a representar uma comédia trágica. Valorizem-se as instituições públicas e as pessoas que as compõem. Acredite-se na criação de valor público. Crie-se legislação adequada ao combate a este fenómeno. Não se incentive mais letra legal morta, a cair na primeira vírgula estrategicamente colocada. Exija-se e demonstre-se rigor. Nas contas públicas, na gestão dos orçamentos, no exercício de funções. Ouçam-se de facto as pessoas. De modo imparcial, eficaz e franco. Afinal, é por elas que se governa.
Desentorpeçam-se os obstáculos à boa vontade, apaguem-se os slôganes e efective-se a acção. Deixe-se a luz do sol iluminar os valhacoutos da corrupção.
São estes os votos de uma cidadã portuguesa para 2020.