Mário Tavares da Silva, Expresso online (049 11/12/2019)
Tal como os economistas sugerem no caso da boa moeda e da má moeda, fará algum sentido que vozes autorizadas da nossa elite pensante, distingam entre a «má corrupção» e a «boa corrupção» ou, se se preferir quanto a esta última, a corrupção social e economicamente tolerável?
Quanto à resposta a esta questão, e pedindo ao leitor que ainda assim não deixe de ler a crónica até ao fim, diria que não subsistem para mim quaisquer dúvidas de que a corrupção é, na sua essência, algo de inaceitável, que corrói e destrói os mais elementares pilares das sociedades democráticas, com isso comprometendo a vida de todos em comunidade, injetando desigualdade de oportunidades e favorecendo, por meios ilícitos, uns poucos em detrimento de uma vasta maioria.
Na realidade, e como todos bem sabemos, são múltiplos os fatores que alimentam o fenómeno da corrupção. Uns de forma clara. Outros indireta, insidiosa e dissimuladamente.
Entre eles, conta-se o relativo à feitura das inúmeras leis que governam a polis, resultado de cifrados consensos obtidos em restritos diretórios de poder e que servem, em primeira linha, não o bem comum, como aliás deveria constituir o seu propósito primacial, mas sim uma vasta plêiade de interesses privados que, de forma implacável e irreversível, vampirizam a essência do processo legislativo.
No caminho, são deixados, amiúde, cirúrgicos alçapões que, mais à frente, servirão os propósitos criminosos. Acresce essa malfadada burocracia, pejada de procedimentos pesados e de formalidades absolutamente inúteis que, em regra, arrastando para lá do razoável a tão desejada decisão administrativa nos mais variados setores da atividade económica, aumentam desmesuradamente os custos de contexto, criando, concomitantemente, as condições necessárias ao surgimento de convenientes atmosferas corruptivas.
É neste ambiente de alguma «permissividade» e, diria mesmo, de algum laxismo legislativo intencionalmente alimentado que têm surgido, aqui e ali, algumas vozes advogando uma espécie de «corrupção aceitável ou eficaz», qual alfa e ómega do normal funcionamento do mercado, capaz pois de se revelar adequada ao desenvolvimento da multitude de atividades económicas que aí tem lugar.
Qualquer coisa parecida, diria mesmo, com um antídoto que teria as virtuosas propriedades terapêuticas dos grandes elixires, incrementando a tão desejada eficiência económica e tolerando aos agentes de mercado a correção dos erros preexistentes deixados pelo incauto e displicente legislador nos intrincados e demorados processos de regulamentação e de implementação de políticas económicas.
Propugna, ainda, essa elite pensante que sendo verdade que a corrupção real existente numa sociedade depende em larga medida da forma como se encontra estruturada a própria burocracia, então a questão a que primeiramente se deverá procurar dar resposta é, tão somente, a de se saber se é mais eficaz estruturar essa desditosa burocracia por forma a evitar a corrupção ou se, ao invés, não será então melhor e mais adequado tolerar uma parte dessa corrupção, garantindo, por essa via, o bem maior que o próprio funcionamento do mercado e da economia, em geral, traduzem.
Para nós, e por muito desafiantes que estas posições e indagações se apresentem, a verdade é que em circunstância alguma se encontra justificada a práticas de atos corruptivos.
Se produzimos intencionalmente más leis ou se definimos e aprovamos instrumentos de políticas públicas, legais ou de outra natureza, que se venham a revelar incapazes de responder de forma adequada e eficaz às necessidades daqueles a quem se destinam, tal não deverá constituir nunca causa de exculpação para a prática de atos de natureza potencialmente corruptiva.
Porque entendamo-nos, a corrupção é sempre e necessariamente má, mesmo que com isso o mercado até funcione….
Para mal de muitos, e contrariamente ao que sucede com a má moeda que expulsa a boa moeda, aqui não devem subsistir quaisquer equívocos, pois a «má corrupção» (que é, aliás, toda a corrupção) não pode expulsar a «boa corrupção», desde logo porque não se pode expulsar aquilo que pura e simplesmente não existe.