Óscar Afonso, Expresso online (044 06/11/2019)
Os economistas seminais Daron Acemoglu e James Robinson, autores do já best-seller internacional Why Nations Fail, propõem agora a também notável obra The Narrow Corridor: States, Societies, and the Fate of Liberty. Nesta nova obra explicam como a liberdade floresce e é próspera, apesar de ameaças, em alguns Estados, e se observa autoritarismo ou anarquia noutros. O cerne da questão é, pois, perceber porque existem Estados democráticos liberais entre as alternativas de autoritarismo e de ilegalidade. Porque, enfim, diferentes organizações sociais levam então a diferentes resultados?
Em Why Nations Fail, explicam-nos que os países prosperam ou falham não devido à cultura, à geografia ou ao acaso, mas devido ao poder das suas instituições. Nesse livro, os autores identificaram o que chamam de “instituições inclusivas” como o principal motor do progresso económico e político. Essas “instituições inclusivas”, como direitos de propriedade assegurados e o Estado de direito, são acessíveis a todos os cidadãos (ou à grande maioria) e não favorecem um grupo restrito de elites sobre o resto da sociedade.
No novo livro constroem uma nova teoria sobre a liberdade e as fontes de liberdade. A liberdade dificilmente é a ordem “natural” das coisas. Na maioria dos lugares e na maioria das vezes, os fortes dominam os fracos e a liberdade humana é anulada pela força ou pelos costumes e normas. Portanto, na maioria das vezes os Estados são fracos para proteger os indivíduos contra essas ameaças, ou são fortes para que as pessoas se protejam do despotismo. Neste último caso, o despotismo reforça-se e quanto mais se enraíza mais estabelece uma hierarquia difícil de mudar e mais enfraquece a sociedade.
A tese de Acemoglu e Robinson é, pois, a de que as perspetivas de liberdade e prosperidade se equilibram entre a opressão estatal (despotismo), e a ilegalidade e violência que a sociedade frequentemente inflige a si mesma (anarquia). Dar demasiada vantagem ao Estado sobre a sociedade levará ao despotismo. Construir um Estado fraco em relação à sociedade originará anarquia. A liberdade surge então quando um determinado equilíbrio entre o Estado e a sociedade é alcançado. Neste caso as pessoas estarão livres de violência, de intimidação e de outros atos humilhantes, e devem ser capazes de fazer escolhas livres sobre as suas vidas e de ter os meios para as realizar sem a ameaça de punições irracionais ou sanções sociais. Exige-se, pois, uma luta contínua para defender instituições políticas abertas e a sociedade civil precisa de “correr” cada vez mais rápido para acompanhar líderes autoritários e restringir as suas tendências despóticas.
Segundo os autores, existe um mito ocidental de que a liberdade política é uma construção durável, alcançada por um processo de “iluminação”, mas essa visão estática é, no entanto, uma fantasia. Na realidade, o caminho para a liberdade é estreito e permanece periclitante por via de uma luta fundamental e incessante entre Estado e sociedade; sair deste caminho significa entrar no caminho da ruína em direção ao despotismo ou à anarquia. Os autores examinaram a panóplia de casos que a história oferece para mostrar como os países podem afastar-se do caminho para a liberdade. Observam que, atualmente, precisamos mais do que nunca de liberdade e que, no entanto, o corredor para a liberdade se tem tornando cada vez mais estreito e traiçoeiro. O perigo no horizonte não é “apenas” a perda da liberdade política, mas também a desintegração da prosperidade e da segurança que dependem criticamente da liberdade.
Sendo tão restrito, como foi possível atingir o caminho estreito ou, dito de outro modo, como foi possível emergirem Estados democráticos com liberdade pessoal substancial? Ao longo dos anos, muitas teorias importantes enfatizaram um fator específico ou outro, incluindo a cultura, o clima, a geografia, a tecnologia ou as circunstâncias socioeconómicas, como o desenvolvimento de uma classe média robusta. Ora, os autores têm uma visão diferente: a liberdade política vem da luta social. Não temos um modelo universal para a liberdade. Não há condições que necessariamente a originem e nenhuma progressão histórica que inevitavelmente conduza à liberdade. A liberdade não é projetada e não há garantia de que permaneça intacta, mesmo quando consagrada na lei.
Neste processo, o Estado é necessário para proteger as pessoas da dominação de outras, mas também pode tornar-se um instrumento de violência e repressão. Quando grupos sociais contestam o poder do Estado e o utilizam para ajudar cidadãos comuns, a liberdade expande-se. O conflito entre Estado e sociedade, onde o Estado é representado por instituições, cria o tal corredor estreito em que a liberdade floresce. Portanto, se a sociedade é fraca ocorre despotismo, mas, por outro lado, se a sociedade é forte e os Estados são fracos e são incapazes de proteger os seus cidadãos emerge a anarquia.
Como o título do livro bem sinaliza, existe apenas um restrito corredor estreito, representativo da fragilidade das democracias liberais, entre dois extremos (despotismo e anarquia), um caminho estreito que apenas alguns países, principalmente no ocidente industrializado, conseguiram encontrar. A liberdade decorre de um delicado equilíbrio de poder entre Estado e sociedade. A liberdade não pode pois ser concedida pelo Estado, nem tomada da “mão beijada” do Estado. É claramente o produto da contestação e cooperação entre Estado e sociedade. A democracia geralmente surge da ascensão de grupos populares que podem desafiar o poder das elites ou de cisões entre as elites. No século XX, a industrialização, as guerras mundiais e a descolonização levaram à mobilização de tais grupos. Acemoglu e Robinson enfatizam que, a menos que a sociedade civil permaneça vigilante e seja capaz de se mobilizar contra pretensos autocratas, a regressão autoritária será sempre uma possibilidade.
O fim da Guerra Fria ajudou a gerar a ideia de um “fim da história” em termos geopolíticos, no qual os Estados convergiriam para um modelo liberal-democrático. Essa noção não previu os desenvolvimentos subsequentes. As teorias da modernização do pós-guerra também não indicaram um caminho padronizado para a prosperidade democrática no mundo em desenvolvimento. Existem vários destinos para os quais os países podem dirigir-se e não há nada efémero num Estado despótico ou num Estado fraco, e não há um processo inevitável que leve todos os países na direção de um tipo de liberdade. Consequentemente, as instituições estatais têm de evoluir continuamente à medida que a natureza dos conflitos e as necessidades da sociedade mudam. Assim, a capacidade da sociedade para manter o Estado e os governantes responsáveis deve intensificar-se em conjunto com as capacidades do Estado. Essa luta entre Estado e sociedade auto reforça-se, conduzindo a que ambos desenvolvam uma gama mais rica de capacidades para seguir em frente ao longo do corredor estreito. Contudo, essa luta também ressalta a natureza frágil da liberdade. Baseia-se num equilíbrio frágil entre Estado e sociedade, entre elites (económicas, políticas e sociais) e cidadãos, e entre instituições e normas. Se um lado da balança fica muito forte então, como sempre aconteceu na história, a liberdade começa a diminuir. A liberdade depende pois da mobilização vigilante da sociedade. Mas, também precisa que as instituições estatais se reinventem continuamente, a fim de enfrentar novos desafios económicos e sociais que possam fechar o corredor da liberdade.
Veja-se o caso da China. O monopólio do poder político do Partido Comunista da China, a corrupção desenfreada do país e a facilidade com que os concorrentes económicos e oponentes políticos do partido podem ser despojados dificilmente “cheiram” a instituições inclusivas. No entanto, é inegável que, nas últimas quatro décadas, o regime chinês alcançou taxas de crescimento económico significativas e, por isso, reduziu impressionantemente a pobreza no país. Em Why Nations Fail, os autores argumentam que o crescimento económico chinês acabará por perder força, a menos que instituições políticas extrativas cedam lugar a instituições inclusivas. Em The Narrow Corridor: States, Societies, and the Fate of Liberty caracterizam a China como um país onde um Estado forte domina a sociedade há quase dois milénios e meio. Ora, segundo os autores, tendo passado tanto tempo fora do corredor é improvável que a China possa fazer uma entrada tranquila no corredor estreito. Assim sendo, não é provável que haja uma reforma política adequada nem crescimento económico contínuo e rápido.
E que lições decorrem daqui para Portugal? Já na época em que a obra Why Nations Fail foi escrita, poucos consideravam Portugal um exemplo de pais com instituições inclusivas. Hoje, aquando do lançamento do livro The Narrow Corridor: States, Societies, and the Fate of Liberty, a distribuição de renda em Portugal é tão distorcida quanto em qualquer plutocracia. E as instituições políticas representativas do país estão há 20 anos sob ataque de um único partido político e parecem decididamente frágeis, sendo, neste contexto, salutar a emergência de três novos partidos com representação parlamentar e com “ânsia” de fiscalização das instituições. A democracia liberal exige mais em Portugal; exige direitos que protejam quem está excluído da mesa de negociações, quem não têm recursos nem poder como a elite, os vencidos mas cidadãos. O acordo político que praticamente dura há 20 anos entre eleitores e o partido socialista favorece um tipo empobrecido de democracia – o que poderíamos chamar de democracia eleitoral “comprada” – sobre a democracia liberal. Vai-nos valendo a pertença à União Europeia!