Mário Tavares da Silva, Expresso online (043 30/10/2019)

É consensualmente aceite por terras lusas que sofremos, desde há longos anos a esta parte, de um infeliz e lamentável erro de perceção em matéria de ética e de combate à corrupção. 

Um erro que não é de somenos importância e que, no final de cada dia, nos sai caro, acrescentando pouco ou nada na cadeia de valor da intrincada e difícil luta contra os fenómenos da fraude e da corrupção. Tal erro deve-se, em primeira linha, à inexplicável e, diria mesmo patológica persistência de muitos, de que apenas teremos condições para debelar e ultrapassar de forma eficaz os problemas da corrupção com a criação de mais entidades, adoção de mais medidas e, sobretudo, com a realização (desejável para muitos é certo) de mais (e de mais ainda) despesa pública.

Nada de mais errado, entendamo-nos.

A corrupção e os problemas com ela conexos resolvem-se, em primeira linha, com bom senso. Bom senso de quem legisla, bom senso de quem dirige, bom senso de quem é dirigido e, por fim, mas não menos importante, bom senso de quem fiscaliza e controla.

É, creiam-me, na simplicidade dos procedimentos administrativos que jaz o mais eficaz antídoto contra a corrupção.

Por muito que não queiramos enfrentar a realidade, o facto é que não podemos negar que procedimentos pesados, instituídos e geridos por uma emergente e criativa ordem não profissionalizada de “empatólogos” formados em prestigiadas universidades, geram e potenciam a atmosfera ideal para a proliferação do gérmen da corrupção.

Sobre este ponto, não nos iludamos, pois é por aí que tudo verdadeiramente começa.

A este propósito, e a título meramente ilustrativo, refira-se que nunca percebi, certamente por limitação minha, porque razão em procedimentos administrativos de natureza pública, exige a administração ao cidadão a obtenção de elementos que ela própria produz e de que ela própria é, em primeira linha, “fiel depositária”. 

Será isto uma espécie de sadismo burocrático-administrativo, travestido de uma inconfessa (mas ardentemente desejada) vontade de criação de sub-reptícias fontes de receita para as entidades que nesses procedimentos intervém?

Perante isto, não custa, é certo, simplificar.

Pelo menos, para alguns!

Basta, para tanto, sem qualquer risco de perda da autoridade do Estado e da direção e bom governo da administração, instituir procedimentos ágeis, simples, claros e que apenas, repito apenas, onerem o cidadão com a obtenção e entrega de elementos se e na exata medida em que tal se revele objetivamente diferenciador para a administração poder decidir, com segurança e objetividade e como legalmente se lhe exige, o que lhe é requerido.

No entanto, se é certo que estas medidas não gerem aumento da despesa, podem, no entanto, implicar perda de receita.

E esse é, talvez, o problema de base que os sucessivos governos não têm sabido (ou querido) enfrentar.

Neste sentido, é verdade que os procedimentos administrativos (dos licenciamentos às autorizações para o exercício das mais variadas atividades económicas) são, de há muito a esta parte, legalmente recortados, com o objetivo, não assumido refira-se, de garantir em larga medida, no final do dia, o financiamento das entidades que asseguram a sua tramitação e decisão final.

Ora, neste contexto, seria amplamente desejável a criação de condições efetivas para a prossecução intransigente da defesa dos interesses do cidadão, sobretudo procurando garantir o cumprimento de princípios tão importantes como o da simplicidade, transparência, clareza e celeridade que, como bem sabemos e já tantas vezes experienciámos, todos almejamos, nem sempre com êxito, quando nos dirigimos a um serviço público.  

Mas então o que sucederia se, por mera hipótese, num arrojado e desassombrado ímpeto reformista ético, uma espécie de simplex para a ética no quadro da tão propalada boa administração, se aligeirassem, substancialmente, procedimentos, intervenções, papelada e, sobretudo, custos para o cidadão?

Estou certo que nessa mirífica hipótese, os sempre omnipresentes “empatólogos” nos interpelariam de imediato com a seguinte interrogação.

E agora? De que vivemos? De ética?

Haja paciência!