Pedro Moura, Expresso online (041 16/10/2019)
O processo é quase invariante: aproxima-se o dia de entregar a crónica para o jornal, a parafernália de ecrãs que me conecta ao tempo dos outros humanos começa a cuspir alertas, a mente começa à procura de ideias geniais sobre temas de enormíssimo relevo que levarão a um artigo com potencial para mudar o mundo.
O tempo passa, o artigo genial não aparece e a ansiedade começa a pairar sobre mim. Como bom português, à última hora, com aquela capacidade sobre-humana que vamos tendo para o desenrascanço, lá escrevinho a crónica, que sinto invariavelmente ficar aquém do brilhantismo que antevia alcançar, e que envio com um encolher de ombros suspirado para a edição.
Há uma janela de oportunidade para a minha opinião, e todos fomos ensinados a não desperdiçar janelas de oportunidade. Quando podemos falamos, escrevemos, gritamos, comentamos, tentamos sofregamente dizer ao mundo que existimos, que temos relevância, que por todas as alminhas não se esqueça de nós.
Nos nossos tempos anda-se com a língua e os dedos em bicos de pés, e o que nos sai para fora vem, na maior parte das vezes, diretamente das entranhas para o mundo, raramente passando pela estação da auto-reflexão. Reage-se, não se age. Não há espaço para o tempo da solidão, tudo está ocupado por ecrãs, mensagens, alarmes. Achamos cada vez mais que os ‘outros’ são estúpidos e sem pitada de razão, mas não estamos em capacidade de explicar porquê quando no-lo pedem. A possibilidade do silêncio foi-nos roubada por nós mesmos.Somos ridículos megafones estridentes, carentes de atenção, relevância e significado que andam por aí sobre pernas confusas.
Não sabemos estar calados.
E por vezes seria realmente o melhor que faríamos.
E eu tenho de escrever esta crónica. Há a sensação que o mundo não perdoa se não o fizer, que me votará ao esquecimento caso a minha opção seja o silêncio, a inação.
E eu escrevo a crónica, insisto. Escrevo, mas ouso o protesto, ouso afirmar que não me apetecia escrevê-la. Apetecia-me somente pensá-la na sua forma pura, enquanto potencial de ser o tal texto que mudasse magicamente o mundo, o universo, sem ter de a escrever. Não a queria tornar concreta, ter de a objetivar. Gostava de ficar dias a discuti-la inutilmente comigo e com os outros, não a forçar ao mundo pela barreira uterina dos dedos.
Gostava de não me sentir defraudado por mim mesmo, de não me sentir obrigado à ação, ao verbo.
Gostava de ficar quieto, calado, a refletir e sonhar em paz.