Rute Serra, Expresso online (040 09/10/2019)
É talvez o maior desafio que o século XXI apresenta à Humanidade. Aquele que o Banco Mundial afirma custar já 560mil milhões de euros por ano, para além dos custos indiretos em perda de vidas humanas, segurança e biodiversidade. Falamos das alterações climáticas, razão maior de devastação ambiental por todo o planeta e que têm motivado manifestações inflamadas um pouco por todo o globo. E que estas chamaram em definitivo a atenção dos líderes mundiais, provocando-os o suficiente para colocarem nas suas agendas o tema, não restam dúvidas.
O combate vai forte aos denominados “negacionistas”, acusados de pôr a circular notícias falsas, como aquela em que se afirmava que a NASA admitia que a causa do problema estava apenas nas variações da órbita solar da Terra, entretanto já desmentida.
Tem, porém, sido através do voto, como se constatou nas últimas eleições europeias, com a subida vertiginosa do grupo político “The Greens / European Free Alliance” e de ações como as da controversa ativista ambiental Greta Thunberg, que personalidades como António Guterres ou Elizabeth Warren, candidata à nomeação pelo Partido Democrata para as presidenciais dos Estados Unidos de 2020, não têm hesitado em vir a terreiro agitar vigorosamente as bandeiras verdes, acolhendo na primeira linha as reivindicações da sociedade civil.
Mas se é importante, talvez imprescindível, atacar rapidamente as causas daquele problema, não deixa de ser menos relevante incidir a mesma atenção na solução. Porque é aí que se esconde o elefante na sala.
Exigir integridade na governança climática deverá ser o especial repto lançado àqueles responsáveis, que pugnem por ação que mitigue o problema. A resposta global à sustentabilidade do planeta imporá ao mundo desenvolvido e em desenvolvimento uma cooperação internacional sem precedentes, para além de transformações económicas e transferência de recursos numa escala significativa.
E é precisamente aqui que os riscos de corrupção, aqui entendida em sentido lato, ameaçam desestabilizar os esforços. Por outro lado, importa saber porque é que os projetos e acordos ambientais, nomeadamente o de Paris, que se vêm desenvolvendo há anos, não foram eficazes no seu objetivo. É agora, no momento em que a arquitetura de governança climática se redesenha, que a ação se exige. Os responsáveis devem ser capazes de gerir o capital natural de economias verdes, de modo íntegro, transparente, ético e de acordo com as regras de accountability. Este é o desafio.
Tomemos de exemplo o seguinte caso, no que à prevenção do crime ambiental em florestas diz respeito - o programa UN-REDD, gerido desde 2008 pelas Nações Unidas, dirigido a países tropicais em desenvolvimento e cujo objetivo principal é evitar a desflorestação e incrementar as reservas de carbono, contribuindo para o desenvolvimento sustentável. Cada país aderente desenvolve o subprograma REDD+, o qual é financiado de acordo com os resultados obtidos.
Quanto ao princípio, nada a declarar. Relativamente à fiscalização dos programas nacionais, aparentemente também não: o Project LEAF, um consórcio liderado pela Interpol e pelas Nações Unidas, destinado a fornecer uma resposta global coordenada ao crime organizado e transnacional do setor florestal desde 2012, devia ser suficiente para acalmar os receios sobre a gestão.
Porém, em 2015, um estudo da responsabilidade da Agência de Recursos Anticorrupção (U4), sediada no Chr. Michelsen Institute na Noruega, concluiu que as salvaguardas ao nível da governança daqueles subprogramas, não eram suficientes para mitigar a existência de atos corruptivos. Concluíram também que as campanhas nacionais anticorrupção não se estendiam suficientemente ao nível do projeto local, mantendo-se riscos de suborno e nepotismo. E por fim, parece existir um problema grave ao nível de conflitos de interesse das organizações não-governamentais, financiadas pelo REDD+ e envolvidas naquelas campanhas.
Estima-se que até 2020 sejam mundialmente investidos muitos milhões de euros para compensar os efeitos das mudanças climáticas. Zonas cinzentas ao nível da regulamentação, nomeadamente da geoengenharia, da transparência nas medições de emissões de carbono, no silenciamento dos povos mais afetados, geralmente pobres e excluídos, a que se somam pressões para soluções iminentes, demonstram a importância de uma governança climática aberta e responsável.
Esse investimento sim - é na mesma exata medida das nossas alterações de comportamento, inadiável.