Óscar Afonso, Expresso online (032 14/08/2019)
Num artigo publicado naquela que é provavelmente a revista científica mais conceituada em Economia, a American Economic Review, dois consagrados economistas, Tornell e Lane, começam por revelar duas características comuns de países que crescem lentamente: (i) a ausência de instituições jurídicas e políticas fortes e (ii) a presença de múltiplos grupos poderosos na sociedade. Curiosamente, duas características atuais da economia portuguesa: (i) a justiça foi-se degradando até parar de funcionar epartidos políticos fortes, competitivos e vigilantes é coisa do passado, como atesta o valor da abstenção em cada eleição; (ii) paralelamente emergiram grupos poderosos de parasitas na sociedade.
Tendo por base essas características, os autores propuseram um modelo dinâmico do processo de crescimento económico para responder a três questões. Porque será que instituições jurídicas e políticas fracas geram um crescimento económico lento? Qual é a relação entre a concentração de poder (o número de grupos poderosos) e o crescimento económico? Porque será que países com instituições jurídicas e políticas fracas não apenas crescem lentamente, mas também, frequentemente, respondem de maneira perversa a choques favoráveis, aumentando mais do que proporcionalmente a redistribuição fiscal e investindo em projetos ineficientes?
A importância das instituições jurídicas e políticas fracas na explicação do fraco desempenho do crescimento económico tem sido destacado por imensa literatura empírica. Além disso, estudos recentes sobre alguns países enfatizaram essas características na explicação de políticas fiscais pró-cíclicas e do declínio na qualidade do investimento na sequência de choques favoráveis. Mais uma vez, Portugal parece assentar aqui que nem uma luva. Em matéria de política fiscal, os governos “fracos” foram usando a margem de manobra induzida pela forte quebra das taxas de juro, após 1995, para expandir a despesa pública não produtiva em períodos de expansão, de modo a satisfazer “grupos poderosos” -- houve e continua a haver tanta despesa pública inútil que serve apenas para, cada vez mais descaradamente, desviar recursos de todos para alguns! À medida que a infra-estrutura político-legal se foi enfraquecendo, grupos poderosos, vorazes, foram intensificando o aproveitamento de uma redistribuição fiscal discricionária como mecanismo-chave para apropriar recursos nacionais para si.
Como mais cedo ou mais tarde é sempre necessário pagar as dívidas, os agentes extratores foram antecipando que a carga fiscal teria de aumentar de modo a gerar a receita necessária. Por isso, a fim de proteger os seus lucros da tributação crescente, os poderosos “extratores”,gananciosos parasitas, foram transferindo parte dos recursos apropriados para locais livres de tributação – paraísos fiscais. Por outro lado, na análise da viabilidade de projetos de investimento produtivos, potenciais investidores “sérios” consideram os custos associados à fiscalidade esperada e, esperando um aumento da carga fiscal, acabam por “meter na gaveta” projetos de investimento produtivo. Claro que menos investimento significa também menor crescimento económico e, portanto, menos impostos cobrados, gerando-se, pois, um verdadeiro círculo vicioso. É por isto que a carga fiscal está como está – a mais alta de que há memória – e que não parará de aumentar enquanto houver uma elite extrativa voraz e sem vergonha. E é também por isto que, quando surgir uma nova recessão, o endividamento não permitirá margem para uma política contra-cíclica e penalizará sempre os mesmos desgraçados que, coitados, se contentaram sempre com pouco, como com a mera devolução de rendimentos anteriormente perdida devido ao saque havido. Pelo contrário, onde há estruturas legais e outras estruturas institucionais bem desenvolvidas torna-se impossível que grupos poderosos consigam extrair recursos arbitrariamente do resto da sociedade e haverá crescimento económico sustentado.
Com instituições jurídicas e políticas cada vez mais fracas e uma elite cada vez mais medíocre e gananciosa, o país não foi capaz de alterar a sua estratégia de crescimento, saindo de um modelo acumulativo, protegido e imitativo e entrando num modelo mais competitivo, mais empresarial e mais inovador. A mudança exigia, da parte dos governos, a liberalização de entraves regulatórios e burocráticos, uma justiça funcional, “justa” e célere, um enquadramento institucional seguro e confiável, uma carga fiscal razoável e uma política facilitadora do empreendedorismo. Ou seja, exatamente o que não interessa à elite extrativa. Não sendo assim, a maldição tem sido a abundância; em particular, de burocracia, de dinheiro fácil da União Europeia e de intervencionismo público ad-hoc, a favor dos protegidos. A “coisa”, usurpação, chegou (e chega) a impressionar pela intensidade e até pela atrocidade. Note-se que a intervenção política representa escolha, por quem detém o poder, sobre quem é beneficiado e quem é prejudicado. O comportamento existente foi claramente um convite a lobistas, à fraude, à corrupção, à economia paralela e representou um desvio da verdadeira função empresarial.
A transição para uma economia mais competitiva e moderna tem encontrado, pois, uma resistência inflexível na classe política, com a introdução de ruído na atividade económica, com a promoção de certas atividades privadas, com a exploração do medo da elite em relação à “destruição criativa” de Schumpeter e com a ampliação arcaica da atividade do Estado. À necessidade de promoção de uma economia empreendedora de inovação, extrovertida, Portugal implementou uma política introvertida assente em degradação de serviços, estudos com resultados comprados, ajustes diretos, compras à lá “golas anti-fumo”, brindes ... e de mão-de-obra barata porque não dá para mais. A trajetória observada na taxa de crescimento (e no défice externo) reflete então, por um lado, a incapacidade do país para competir com países de desenvolvimento semelhante em termos de preços e, por outro lado, a incapacidade do país para competir com países mais desenvolvidos em termos de tecnologia. O triste disto tudo é que, ligados à máquina União Europeia, a tendência é para piorar até ao dia que seja insustentável.
Dizem os entendidos (reputados opinion makers da “nossa praça”) que, chegados a este ponto, a solução passa pelo recurso a políticas macroeconómicas de curto prazo, conjunturais e sobre a procura, para inverter a situação. A verdade, no entanto, é que o recurso a essas políticas para “dar o salto”, não apenas não funciona, como conduz a mais endividamento público, afeta as taxas de juro e gera ainda mais debilidade económica no longo prazo, servindo apenas para acentuar indesejáveis “voos” do produto real efetivo e originando ciclos artificiais de expansão económica, seguidos de profundas recessões, que apenas beneficia a elite extrativa. Chegados aqui, para colocar Portugal no caminho da prosperidade não basta portanto jogar com a macroeconomia como se fosse uma bola de pingue-pongue. É preciso uma estratégia de desenvolvimento económico de longo prazo, direcionada para o aumento da produtividade que a todos beneficie. Tal requer, para além da referida e necessária ação do governo que deve, em primeiro lugar, promover a justiça funcional, célere e acessível a todos, promover a acumulação de capital físico e humano, e a inovação — algo que é impossível com a alimentação da elite extrativa e sem altas taxas de investimento carentes de poupança. Ora a baixa taxa de poupança não é um fenómeno recente, mas sim uma característica típica de economias como a portuguesa.
Em suma, foi-se alimentando a ilusão de que seria possível alimentar a elite e crescer economicamente num sistema estático e artificial, e que, nomeadamente nas vésperas de eleições, os governos podiam (e podem) promover taxas de crescimento, aplicando todo o arsenal de políticas macroeconómicas de curto prazo sobre a procura. Em termos económicos, a consequência disso foi a ocorrência de alívios temporários pagos com uma debilidade económica crescente. Em termos políticos, foi-se caindo num sistema que passou a oscilar entre o populismo e o desejo de autoritarismo. Se a mudança começar por destruir grupos de interesses parasitas entrincheirados então o desempenho do crescimento melhorará. Não sei quando tal acontecerá, sei, tenho a certeza, é que por enquanto não há vontade política, nem interesse, em acabar com o sistema vigente. Acordem Portugueses!