António João Maia, Expresso online (031 07/08/2019)

A corrupção, como se sabe, é um problema que mina, por dentro, a confiança de qualquer sociedade. Qualquer notícia, de uma simples suspeição que seja, que envolva nomes de pessoas e instituições – e isso sucede necessariamente em cada notícia – é desde logo geradora de descrédito, tanto sobre as pessoas envolvidas, como também e necessariamente sobre as instituições a que estão ligadas.

E mais, quando estão envolvidos nomes de instituições, é também conhecido um certo efeito de alastramento desse rótulo de descrédito sobre todos aqueles que nelas exercem funções. E se é certo que toda e qualquer instituição pode ser integrada por pessoas menos íntegras – pessoas capazes de praticar actos de fraude e de corrupção se tiverem oportunidade para isso –, não será menos verdade que nem todos os colaboradores de uma qualquer organização sejam igualmente menos íntegros (confesso estar mesmo convencido do contrário, de que o número de pessoas íntegras numa organização tende em regra a ser superior ao das que sejam menos íntegras). E para estes, os que sejam mais íntegros, o rótulo de ser considerado como “corrupto” será sempre uma perspetiva que, no mínimo, gera algum incómodo.

Mas todos estes efeitos são conhecidos e estão bem estudados!

Em Portugal, como todos temos testemunhado, as notícias de suspeição de fraude e de corrupção têm-se sucedido ao longo dos últimos anos. E, na sua maioria, envolvem sobretudo detentores de cargos políticos e de altos cargos públicos, ou seja de detentores de funções com as mais elevadas responsabilidades na gestão do Estado, na gestão dos nossos interesses coletivos, na gestão do património e do dinheiro público.

E será fundamentalmente por esta razão que a classe política tem estado, toda ela, sob permanente suspeição por parte da generalidade dos cidadãos – “são todos iguais, querem é tacho”, é o que as pessoas de forma resumida dizem e pensam relativamente aos líderes que nos governam –. E este efeito pode traduzir-se desde logo num potencial de redução da qualidade efetiva dos candidatos políticos, nomeadamente daqueles que sejam íntegros – e também aqui continuo a acreditar que sejam a maioria – por não quererem correr o risco de, por qualquer razão que lhes possa escapar, poderem ver o seu nome associado a situações suspeitas que não pratiquem mas que caiam na praça pública deliberadamente com esse perfil, com o propósito único de denegrir o seu bom nome sobretudo quando em contextos de luta política.

E dizer isto equivale a dizer que provavelmente nem todos os casos mediatizados como suspeitas de corrupção o sejam verdadeiramente. Para isso, para aferir de veracidade das situações, lá está a ação da Justiça, designadamente do Ministério Público e da Polícia Judiciária, na fase de Inquérito, para desenvolverem a Investigação Criminal, para identificar e recolher as provas, quando existam ou quando se consigam alcançar, e depois no Tribunal, para a fase de Julgamento, para avaliar a validade e a força das provas colhidas anteriormente. Porém e independentemente da ação das instâncias da Justiça – onde os suspeitos são necessária e obrigatoriamente considerados inocentes até prova em contrário, ou seja até ao final do Julgamento e apenas nas situações em que o Tribunal confira validade às provas que lhe foram apresentadas – a simples mediatização das situações faz com que, no imediato e de modo irreversível, os nomes dos envolvidos sejam vistos como culpados aos olhos do cidadão comum.

O problema da corrupção associa-se essencialmente à gestão do Estado, à gestão da salvaguarda dos Valores fundamentais que contextualizam a nossa vida coletiva.

Enquanto sociedade, consideramos fundamental a existência e a salvaguarda de um conjunto central de Valores de diversa ordem (históricos, culturais, sociais, económicos, financeiros, entre outros) essenciais para a estabilização e manutenção da coesão social. O Estado pode ser entendido como uma espécie de entidade supra individual à qual confiamos todo um património coletivo de elevada importância e cuja existência nos mantém agregados e nos diferencia das demais sociedades, tornando-nos únicos.

Mas o Estado, assim entendido, não assume apenas um papel passivo, como uma espécie de fiel depositário ao qual confiamos todo esse património. Em complemento, ele tem também um papel ativo, designadamente enquanto garante da satisfação desses mesmos Valores junto de cada cidadão, em função das suas necessidades e das suas circunstâncias.

A concretização da ação do Estado faz-se através de uma estrutura devidamente organizada, que pode ser designada por Governação Pública, e que no essencial apresenta dois níveis funcionais:

-     O nível político, cuja função é definir as denominadas Políticas Públicas, ou seja as grandes linhas orientadoras da gestão do Estado, e cujos decisores são escolhidos ciclicamente (a cada quatro ou cinco anos, dependendo do tipo de órgão político) através do voto universal de todos os cidadãos com mais de 18 anos, conferindo assim expressão ao conceito de Democracia, no sentido em que as opções de gestão do Estado são tomadas por todos. É neste nível que encontramos a denominada classe política, aquela que é mediaticamente exposta sempre que surge associada a suspeitas de fraude e de corrupção, como vimos anteriormente;

-     O nível administrativo, das estruturas da Administração Pública, composto pelos vários serviços e entidades públicas, que no essencial têm a missão de concretizar as Políticas Públicas junto do cidadão.

A gestão pública assim explicada permite perceber que a corrupção representa um desequilíbrio sobre o normal funcionamento do modelo de gestão do Estado e, no limite, sobre a manutenção do próprio Estado, pelo menos com a configuração que conhecemos. A corrupção subverte as expectativas do que deve ser a gestão pública, encarecendo-a e tornando-a de menor qualidade, menos eficiente e também menos eficaz.

A corrupção sobretudo a que envolve a classe política, traduz também um crescente afastamento e desinteresse do cidadão relativamente às questões de interesse coletivo, reduzindo as possibilidades de funcionamento pleno da democracia.

As crescentes taxas de abstenção eleitoral que se têm registado em Portugal, e que se aproximam dos 50% para eleições legislativas (de acordo com dados estatísticos consultados na PORDATA), são também reveladoras deste gradual afastamento, deste desinteresse.

Importa por isso, e também para recuperação da nobreza da função política, que se melhorem e desenvolvam os mecanismos de controlo e prevenção sobre este problema. O desenvolvimento e aprofundamento destes mecanismos só pode derivar do estabelecimento de adequadas Políticas Públicas, como o próprio modelo da Governação Pública deixa ver. A classe política está assim como que confrontada consigo própria. Que caminhos quer trilhar no futuro para inverter este quadro e para se requalificar

Fonte: Dados trabalhados a partir da PORTADA