Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)

Em nome da "concorrência" e do "investimento" criam-se os paraísos fiscais que facilitam enormemente tudo o que de mais hediondo se diz combater

...

Os chamados paraísos fiscais (offshores, paraísos fiscais e judiciários, ou, às vezes, zonas francas, entrepostos, ou praças financeiras internacionais) são uma realidade sempre presente na sociedade contemporânea.

Poder-se-á encontrar alguns dos seus primórdios em tempos antanhos, mas é a partir de fins do sec. XIX o seu aparecimento com as actuais características, confirmado pela universalidade das relações económicas, pelo fim do capitalismo de livre concorrência  e o aparecimento das primeiras multinacionais. Encontram toda a sua importância pelos montantes envolvidos, pelas finalidades da sua existência, pelo branqueamento de riqueza que permitem, pelas facilidades que dão ao crime organizado transnacional. É certo que em algumas situações estes espaços podem ser utilizados com fins honestos, mas tal é uma situação marginal.

Embora tendo uma série de características comuns ( estabilidade política e económica como suporte, local para os não residentes terem impostos mais baixos ou nulos, grande facilidade de constituição de empresas, ausência de fiscalização, controlo  e regulação, secretismo  em muitas operações) e especificidades resultantes das suas origens e propósitos, valem essencialmente enquanto rede susceptível de operações quase instantâneas: uns são de maior secretismo que outros, uns permitem grande velocidade de dispersão de fortunas investigadas, outros são câmaras de compensação internacional sem qualquer registo. Como diz um autor “devido a esta multiplicidade de usos torna-se difícil perceber quando estamos perante um offshore”, mas eles estão frequentemente presentes , para o que também contribui a falta de informação e opacidade.

Apesar das nossas dificuldades para apreender a realidade e da nossa falta de perspicácia em relação a tudo que não brilha ou é opaco, todos nós temos sido alertados pelas revelações trazidas pelos órgãos de informação sobre os paraísos fiscais. Elas eram conhecidas há muito mas pouco percepcionadas pela generalidade dos cidadãos:

  • A rede de offshores é «gerida» e comandada a partir do centro do capitalismo, dos países mais desenvolvidos: a Suíça (que segundo vários indicadores é dos países menos corruptos) , tem ocupado o primeiro lugar, bem acompanhada pelo Reino Unido e pelos Unidos da América. A União Europeia, espaço de cooperação e interajuda, assim designado desde o tratado de constituição da CEE, contem no seu seio, desde a sua origem, o Luxemburgo, eventualmente outros.
  • Os offshores são uma das vias de aumentar as desigualdades económicas e sociais no mundo e em cada país. É uma forma dos «donos do dinheiro» pagarem menos impostos (logo nós pagarmos mais) e encontrarem novas formas de enriquecimento.
  • Para além da fraude fiscal, os offshores facilitam a grande corrupção, e muitas operações de branqueamento da riqueza gerada nos crimes (tráfico de droga, tráfico de ser humanos, negócios de guerra, armazenamento de resíduos tóxicos, etc.) É um ponto de encontro do grande capital e do crime organizado. Proliferam contas em nome de indigentes e ingénuos que aparecem frequentemente como responsáveis por crimes que nunca cometeram e ignoram. Cria facilidades para o dinheiro manchado de sangue e degradação humana aparecerem nas mãos de homens de negócios acima de qualquer suspeita.

São igualmente uma manifestação da hipocrisia do sistema: em nome da «concorrência» e do «investimento» criam-se os paraísos fiscais que facilitam enormemente tudo o que de mais hediondo se diz combater: o crime organizado, a corrupção, o branqueamento de capitais e o terrorismo.