Carlos Pimenta, Jornal i

Quando se fala em fraude a generalidade dos indivíduos admitem que se está a falar de fraude fiscal, adopção de determinados comportamentos com o objectivo de obter uma vantagem fiscal indevida.

1. A palavra fraude é uma forma de designar todo o acto intencional de pessoas, individuais ou colectivas, perpetrado com logro e que causa, vantagens ou danos a alguns e que violam a ética, as normas organizacionais ou a lei:
ꟷ Acto intencional porque é este “saber o que está a fazer” que lhe atribui responsabilidade à sua actuação, que o permite diferenciar do erro, do desconhecimento ou da simples ignorância, embora viver em sociedade, isto é, em relação com os outros lhe exija conhecer o quadro legal em que se movimenta.
ꟷ Pode ser cometido por qualquer entidade: uma única pessoa, várias articulando actuações entre si, uma qualquer associação privada, tanto com fins lucrativos como não, nacionais ou estrangeiros, em qualquer espaço geográfico, podendo o próprio Estado as cometer, pois também ele tem de obedecer a um conjunto de regras.
ꟷ O logro constitui uma das suas características fundamentais e diferenciador de muitas outras violações das regras vigentes; por outras palavras, ao proceder pela via do engano o logro não é imediatamente visível, só o sendo quando descoberto, se o for.
ꟷ Quem a pratica visa obter vantagens, frequentemente financeiras, com elas para si ou terceiros; automaticamente prejudicando terceiros. Frequentemente provoca diversas ondas de choque ꟷ ex. a direcção de uma instituição rouba-a veladamente, levando algum tempo depois a alterações naquela, gerando desemprego parcial ꟷ sendo muitas vezes extremamente difícil analisar as suas consequências, para além das vantagens e desvantagens para uns e outros serem profundamente diferentes.
ꟷ Viola ou a lei ou as regras da instituição a que pertence e que voluntariamente aceitou ou as regras vigentes nas relações com os outros em sociedade.
Daqui se conclui que numerosíssimos actos humanos podem ser considerados fraude, tendo cada um a sua própria designação: é o pagamento de uns milhões ao júri de um concurso internacional; é o pagamento antecipado de uma casa de férias que não existe; é a viciação da contabilidade de uma empresa para a atribuição de prémios ao conselho de administração; é a venda de um produto, ao mesmo preço ou mais caro quando se anunciou ser um saldo; é a introdução num computador de um vírus que permite descobrir uma password para entrar na conta bancária de terceiros; é a manipulação do resultado de um jogo de futebol em que houve a ameaça ao guarda-redes de matar um familiar se ele não deixar entrar uma determinada quantidade de golos; é o Governo quando anuncia determinada medida que sabe antecipadamente que nunca cumprirá. Enfim são milhares de situações que dariam para preencher centenas de páginas, sem nunca termos a certeza de cobrirmos todas as situações existentes.
No entanto, quase espontaneamente, quando se fala em fraude a generalidade dos indivíduos admitem que se está a falar de fraude fiscal, adopção de determinados comportamentos com o objectivo de obter uma vantagem fiscal indevida.
Porquê?
2.Talvez porque seja o tipo de fraude mais universal: cometido pela criminalidade organizada e pelas elites sociais de «colarinho branco» ꟷ como todas as grandes fraudes que assolam a humanidade e a lavagem de toda a riqueza de forma a permitir-lhes influenciar e controlar a actividade económica e os chamados mercados ꟷ mas também todo e qualquer cidadão e os próprios Estados.
Esta universalidade de agentes defraudadores, exponencia a percepção deste tipo de fraude, assumindo, embora erradamente, a forma da fraude por excelência.
Comecemos por tecer algumas considerações sobre o facto de todos os cidadãos serem potenciais defraudadores.
Uma pergunta que nos é feita abertamente com alguma frequência é: quer com IVA ou sem IVA? O comportamento exemplar seria dizer que obviamente pretendíamos com IVA, pois tal é o que está estabelecido na lei, e condenarmos veemente tal pergunta. Contudo não é isso que fazemos muitas vezes porque a lógica do benefício próprio tendo em conta uma concepção do tempo assente no curto prazo é diferente, porque a confiança no Estado, que até parece ser democrático ꟷ e em vários aspectos o é efectivamente ꟷ, é pequena. Mais, na não adopção da atitude correcta, a responsabilidade é partilhada: por nós que nos esquecemos dos outros, pelo Estado que não aplica o nosso dinheiro em impostos em serviços públicos, que se mostra fraco contra os fortes e forte contra os fracos, salvando bancos que cometeram fraudes e lavagem de dinheiro mais que todos nós, no valor e nos impactos sociais, que dá regalias aos estrangeiros que decidem vir para o nosso país, que os nacionais nunca terão, que alimentam offshores e zonas francas, minados por redes de corrupção.
Estados que criaram uma rede de paraísos fiscais que objectivamente apoiam o crime organizado e a alta corrupção, liderados pelo eixo EUA – Reino Unido, com o apoio de outros Estados da União Europeia como o Luxemburgo e a Holanda.
3. É nesta ambiguidade de situação que se encontra a Autoridade Tributária: a soberba do Estado que manda (a arrogância no diálogo, a prescrição de grandes dívidas, o automatismo dos computadores a decidirem pelos homens, etc.) mesclada com a capacidade de diálogo (preocupação pela simplicidade do site, redução do trabalho dos contribuintes no preenchimento dos impostos, etc.). Caminha sistematicamente entre o acesso a toda a informação considerada indispensável ao controlo e fiscalização fiscal e o risco da limitação da liberdade dos cidadãos.
Se a confiança é o cimento da leal cooperação com os cidadãos do país ainda há muito para construir.