Óscar Afonso, Expresso online (026 03/07/2019)
Na sequência do enorme défice comercial dos Estados Unidos da América (EUA), a administração Trump tem vindo a propor uma guerra comercial como solução, impondo restrições ao comércio internacional. Está em causa uma política nacionalistado tipo American first, visando fortalecer a produção americana em detrimento de produções de países detentores de vantagens comparativas / competitivas que, por esse motivo, são exportadores.
É verdade que as guerras comerciais entre países são frequentes, sendo que quem define as regras do comércio internacional e eventuais soluções de conflito é a Organização Mundial do Comércio (OMC). Assim, quando um país questiona práticas comerciais de outro, pode ser solicitada a abertura de um painel (de resolução de conflitos) na OMC para impor mudanças nas práticas que entende prejudiciais e contrárias às regras internacionais, e avalizar possíveis retaliações. Caso os conflitos comerciais não terminem com uma solução negociada, o expectável é que ocorram efeitos negativos para os dois lados. No caso presente, o processo de limitação do comércio internacional imposto por uma economia relevante em termos económicos, os EUA, afetará muitas outras economias, incluindo a Portuguesa, dado que as cadeias de produção e consumo estão interligadas.
A guerra comercial em curso poderá, pois, levar a uma escalada de tarifas, restringindo importações e exportações já que importações de uns são exportações dos outros e, assim, as trocas internacionais. A imposição de uma tarifa não favorece as exportações relativamente às importações, mas as atividades económicas direcionadas para o mercado interno face às atividades direcionadas para mercados externos. É, dessa forma, absurdo que se utilizem medidas protecionistas por motivos de balança comercial, embora os políticos e “especialistas” frequentemente cometam esse erro. Que fique claro, desequilíbrios externos são o reflexo de desequilíbrios domésticos, pelo que a política comercial não é a resposta mais acertada para os défices comerciais. Na melhor das hipóteses será sempre uma solução de second best ou uma solução temporária no caso de indútrias nascentes.
Mesmo ignorando eventuais efeitos de retaliação, quais são então os efeitos diretos destes acontecimentos para a economia portuguesa? Em termos de efeitos estáticos, imediatos/de nível, na sequência da limitação do comércio internacional pela guerra comercial dos EUA, espera-se uma diminuição do preço internacional/mundial de cada bem ou serviço exportado por Portugal. Face à menor procura de cada bem ou serviço tarifado no mundo, o excesso de oferta gerado levará à diminuição do preço. Em cada sector afetado, a produção e as exportações diminuem e o consumo aumenta, daqui decorrendo um impacto negativo para a dívida externa portuguesa.
Com a descida do preço, o aumento do consumo interno e a diminuição da produção doméstica, que acabará por ter efeitos também ao nível do mercado de trabalho, melhora o excedente do consumidor (ou seja, a diferença entre o que se paga e aquilo que se estava disposto a pagar, porque a utilidade marginal supera o preço até à última unidade consumida) e reduz-se o excedente do produtor (ou seja, a diferença entre o que se recebe e o que se estava disposto a receber, porque o custo marginal é inferior ao preço até à última unidade produzida). Tratando-se de um bem ou serviço exportado, a perda para os produtores é maior que o ganho para os consumidores, pelo que no mercado português haverá uma perda líquida de bem-estar social (medida que corresponde à soma dos excedentes e é utilizada para avaliar o impacto económico).
Depois há ainda os custos “administrativos” associados. Por exemplo, custos com o cumprimento de controle nas fronteiras, com a fiscalização das trocas comerciais, com o tempo necessário ao preenchimento de formulários, com a obtenção de alvarás de comercialização, com declarações de enquadramento em regimes fiscais específicos e com outras formalidades aduaneiras. Ora, todos estes custos e valores poderiam (e deveriam) estar, em alternativa, consagrados a atividades produtivas.
Além disso, o protecionismo faz com que as trocas internacionais sejam menos desejáveis, uma vez que, como referido acima, diminui o potencial de importações, mas também de exportações. Trata-se sempre de um passo suplementar na direção da autarcia e, por afetar preços relativos, também em Portugal acaba por afetar estruturas produtivas e provocar transferências forçadas de ativos ou recursos. Em suma, há um bloqueio à especialização de acordo com o princípio das vantagens comparativas, que se traduz em menor eficiência económica e, enquanto tal, em perda de bem-estar para a sociedade.
Acresce que o protecionismo limita a concorrência internacional que é benéfica para consumidores e para produtores que utilizam bens intermédios importados e/ou são desafiados por novos concorrentes. Ao limitar a concorrência, afeta a criação de conhecimento, a descoberta de novos produtos e processos, a especialização em determinadas cadeias produtivas e segmentos de mercado, a participação na cadeia de negócios e, por isso, muitos empreendedores deixarão de mobilizar esforços na adaptação da estrutura produtiva e organizacional.
Além disso, quanto menor for a concorrência e maiores as barreiras à entrada, maior o risco de corrupção e menor a probabilidade de empresas menos eficientes perderem espaço, de ajustamento nos mercados de trabalho, de florescimento de novas empresas, de pressão sobre a remuneração dos fatores (o que inclui os salários), de aumento da equidade na repartição da riqueza (contribuindo-se assim para o aumento das desigualdades), e de redução dos custos operacionais e de transação por causa das economias locais, setoriais e organizacionais de escala ou de inovações. Adicionalmente, quanto maior o protecionismo, menor é a probabilidade de que, no longo prazo, aumente a diversificação do tecido produtivo, de que os processos de inovação dos bens e serviços sejam acelerados, e de crescimento da produtividade e da acumulação de capital (humano) na economia.
Em suma, o protecionismo promove, por definição, a incorreta afetação de recursos à escala mundial e à escala nacional, estimulando o desperdício de recursos e a perda global de bem-estar social. Ao limitar a concorrência, a escala de produção, e a quantidade e qualidade do investimento penaliza, também, o crescimento económico.