António João Maia, Expresso online (027 10/07/2019)
Foi divulgado há poucos dias mais um relatório internacional que deixa o nosso país mal posicionado quanto à capacidade para controlar a corrupção.
Levantou-se logo o coro de críticas do costume, que é sempre a mesma coisa, que não passamos de um país de corruptos, incapaz de tomar as medidas adequadas para fazer face a este problema que nos afeta a todos. Que temos um sistema de controlo, nomeadamente ao nível da justiça, que se mostra forte com os fracos e fraco com os fortes, apesar de verificarmos que nunca como nos anos mais recentes se viram tantas figuras de grande destaque da vida política e pública a braços com acusações e até condenações por este tipo de crime.
Enfim, sem colocar em causa a natural reação mediática que sempre se suscita relativamente a esta temática, a verdade é que, de um certo ponto de vista que não pode ser menosprezado, todo este alarido é em si mesmo importante. E a sua importância reside desde logo do facto de ser ele, o mediatismo, que nos confronta connosco próprios, enquanto sociedade, para nos alertar e consciencializar para esta realidade, de que temos um problema de corrupção, e que temos de o resolver. E depois, porque só com essa consciência conseguiremos ser capazes, enquanto cidadãos, de exigir, de lutar e de contribuir para a procura de soluções mais adequadas para o seu controlo.
E foi justamente no âmbito das medidas de controlo adotadas pelo nosso país que o relatório do GRECO (Grupo e Estados Contra a Corrupção) suscitou algumas reações mediáticas. Porém o documento veio apenas alertar-nos para aquilo que os mais conhecedores destas questões já desconfiavam, ou seja que o nosso país, num contexto comparativo com os outros 48 Estados que fazem parte deste organismo e que foram objeto de avaliação em 2018, parece ter ficado muito aquém das expectativas relativamente ao cumprimento de recomendações que lhe foram anteriormente apresentadas.
O relatório em causa insere-se no âmbito do quarto ciclo das avaliações que são realizadas a todos os Estados por aquele organismo.
Vale a pena verificar, porque muitas vezes fala-se e opina-se sobre estas questões sem que se saiba exatamente o sentido e o alcance do que se está a dizer, que o GRECO se trata de um organismo que foi criado em 1999 no âmbito do Conselho da Europa e que no essencial tem a missão de acompanhar e monitorizar a criação e o cumprimento das medidas de controlo e de prevenção da corrupção que devam ser adotadas pelos Estados que compõem a organização. Neste sentido, este organismo efetua visitas técnicas a cada um dos Estados para aferição do quadro de medidas existentes e, partindo dessa avaliação, propor recomendações sempre que sejam identificadas fragilidades ou necessidades de melhoria. Posteriormente realiza também as necessárias ações sobre a satisfação de cada uma das suas recomendações.
Até este momento foram já concretizados quatro ciclos de avaliação a todos os Estados e o relatório agora divulgado veio mostrar de forma comparativa o ponto de situação das medidas existentes em todos os países precisamente quanto ao quarto ciclo avaliativo, no âmbito do qual se procura a criação e adoção de medidas promotoras da ética, da integridade e da transparência, bem como da prevenção dos conflitos de interesses, no âmbito da ação dos parlamentares, dos juízes e dos magistrados. No essencial e no que respeita ao nosso país, o documento, bem como o relatório de análise mais circunstanciada a Portugal, considera que se cumpriu de forma pouco satisfatória o quadro de recomendações que tinha sido anteriormente proposto.
Os anteriores ciclos avaliativos procuraram conhecer e contribuir para melhorar os quadros de medidas de controlo da corrupção no âmbito das vertentes que se identificam, sendo de acesso livre os correspondentes relatórios de avaliação a Portugal:
- Independência, especialização e meios disponíveis pelas instituições com funções de prevenir a reprimir a corrupção (1º ciclo de avaliações), tendo Portugal registado esforços que foram considerados muito positivos para modernizar e inovar os mecanismos de tratamento adequado para fazer face à criminalidade complexa e à corrupção. Este processo avaliativo foi concretizado no nosso país entre 2002 e 2007;
- Identificação e confisco de proventos da corrupção, eficácia dos sistemas de auditoria sobre os serviços e procedimentos administrativos e medidas preventivas de conflitos de interesses e das relações entre a corrupção, o crime organizado e os circuitos de lavagem de dinheiro (2º ciclo de avaliações), relativamente ao qual Portugal acabou por alcançar, só no final do processo avaliativo, sinais positivos de ter adotado adequadas medidas de controlo e despiste sobre o branqueamento de capitais, a criação de códigos de ética e de conduta e de outras medidas preventivas da corrupção no setor público, o controle dos conflitos de interesses, a previsão a aplicação de quadros sancionatórios e ainda o desenvolvimento de formação adequada para os funcionários com funções neste âmbito. O processo avaliativo a Portugal decorreu entre 2005 e 2010;
- Adoção de medidas legislativas no âmbito da Convenção do Conselho da Europa e de medidas de transparência de controlo do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais (3º ciclo de avaliações), no âmbito do qual Portugal veio a revelar, também no final do processo avaliativo, sinais de ter adotado algumas medidas propostas, como sejam a criminalização da corrupção e do tráfico de influências sobre a ação dos funcionários públicos de organizações internacionais e também no setor privado, a criação de uma entidade de acompanhamento das contas dos partidos políticos e a realização de estudos sobre os modos do seu financiamento, num processo avaliativo que decorreu em Portugal entre 2010 e 2017.
Neste momento está já em curso o 5º ciclo de avaliações, que procura conhecer medidas relativas à prevenção da corrupção e promoção da integridade na ação dos governos centrais dos Estados, bem como dos departamentos de aplicação de lei, nomeadamente quanto à adoção de códigos de ética e de conduta, de gestão de conflitos de interesses, de proibições ou restrição de determinadas atividades e da apresentação de declarações de interesses. Porém ele ainda não se iniciou relativamente a Portugal.
Correndo o risco de estar a alcançar uma conclusão precipitada sobre os conteúdos de todos estes relatórios de avaliação a Portugal, a verdade é que a sua leitura não deixa de induzir uma certa perceção de que o aprofundamento e especificação dos âmbitos de cada um dos ciclos de avaliação já realizados parece denotar sinais de algum crescendo de dificuldades das instâncias nacionais em corresponder com adequadas medidas de prevenção e controlo relativamente às recomendações propostas pelo GRECO.
A ser verdadeira esta perceção, ela significará pelo menos e desde logo que as estruturas nacionais que têm a tarefa de trabalhar estas questões terão de estar melhor preparadas, quer em termos técnicos (para compreender detalhadamente o que se pretende prevenir e controlar e o modo de alcançar esse propósito sem comprometer os equilíbrios económicos, sociais e normativos já existentes), mas também quanto a um conhecimento mais detalhado do próprio fenómeno da corrupção – e importa recordar aqui o modo como o Observatório de Economia e Gestão de Fraude tem evidenciado a importância desta necessidade e se tem disponibilizado para contribuir para a dinamização de projetos neste âmbito – para que mais facilmente se alcancem soluções mais concordantes com as recomendações do GRECO e em alinhamento com o quadro preventivo internacional, e potencialmente mais eficazes quanto ao controlo e prevenção sobre o fenómeno.o