Rute Serra, Expresso online (028 16/07/2019)

Os ideais e princípios vertidos na obra do filósofo iluminista Rousseau “Do Contrato Social” encontram algum espelho no atual compromisso global para o desenvolvimento sustentável do planeta (Sustainable Development Goals), a aspiracional Agenda 2030 das Nações Unidas, composta por dezassete objetivos genéricos fundamentais.

Sucessora dos “objetivos de desenvolvimento do milénio”, que apresentava metas vocacionadas apenas para os países em desenvolvimento, este instrumento de “paz”, expressão utilizada por António Guterres, representa uma “visão comum para a Humanidade e um contrato social entre os líderes mundiais e os povos, consistindo numa lista das coisas a fazer em nome do planeta e um plano para o sucesso”, como defendeu o antecessor do Secretário-Geral daquela organização, aquando da aprovação da Agenda em setembro de 2015.

A avaliação dos progressos deve ser realizada regularmente por cada país e serve para a compilação do The Sustainable Development Goals Report publicado anualmente. E pretende-se um envolvimento holístico, que abranja não só os governos, mas também a sociedade civil, as empresas e os representantes das várias partes interessadas. Na medição estatística são utilizados um conjunto de 230 indicadores padronizados, destacando o ponto em que o mundo se encontra, na prossecução destes objetivos globais evidenciando as principais lacunas e os mais prementes desafios que o mundo enfrenta.

Acresce que a União Europeia, evoca dois mecanismos que considera essenciais para o sucesso da Estratégia Europa 2020: os Acordos de Paris sobre as Alterações Climáticas e, precisamente, a implementação da Agenda 2030.

Se fossemos arautos da profunda desgraça, diríamos que de boas intenções está o inferno cheio. Mas num exercício de esperança que se crê não virá a revelar-se vã, atentamos no que tem sido desenvolvido pelos tais povos, em especial Portugal, de 2015 a esta data, com especial enfoque no Objetivo 16.

O controverso e quase abatido à nascença Objetivo 16, ausente dos desígnios antecedentes, os Millenium Development Goals, está focado em áreas como a redução da violência, segurança, regras de Estado de Direito e em criar instituições fortes, inclusivas e efetivas de modo a promover a justiça e os serviços públicos.

Para além do facto do Objetivo 16 ser um fim em si mesmo, a sua realização é crucial para a obtenção de qualquer das outras metas. Muitos comentadores consideram-no até um verdadeiro objetivo transformacional e, porque não dizê-lo, a bala de prata para que a totalidade da Agenda seja atingida. Da subdivisão feita ao Objetivo 16, interessa-nos particularmente este ponto (16.5.) – redução substancial da corrupção e do suborno sob todas as formas. E porquê?

Apesar de três anos e meio serem um período relativamente curto de tempo para estimativas substanciais sobre o cumprimento dos objetivos, é o suficiente para se fazerem alguns balanços. E o facto de decorrer até 18 de julho, em Nova Iorque, o High Level Political Forum em que precisamente este objetivo será avaliado, revela uma oportunidade para a devida monitorização.

Dos dezassete objetivos da Agenda, Portugal elegeu como prioridades estratégicas seis objetivos sendo que nenhum deles é o objetivo 16.

Sobre corrupção e suborno encontramos o seguinte parágrafo, em oitenta e nove páginas do primeiro e último Relatório nacional sobre a implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, datado de 2017 e apresentado voluntariamente: “Na área da luta contra a corrupção e o suborno, além do reforço da eficácia na prevenção e combate a este tipo de criminalidade, através da capacitação das autoridades policiais e da Procuradoria-Geral da República, Portugal tem vindo a ratificar vários instrumentos multilaterais (no quadro da sua participação na ONU, UE e OCDE) e a atualizar a legislação nacional no decurso das recomendações por parte dessas organizações.”

Talvez o último relatório do GRECO não conclua exatamente do mesmo modo, dizemos nós.

Se pesquisarmos outras fontes abertas, encontramos a informação disponibilizada pelo Instituto Nacional e Estatística que, relativamente a 2018, apenas faz referência ao ponto 16.3., omitindo qualquer nota sobre como Portugal está (talvez pouco) empenhado no combate à corrupção e ao suborno, ponto 16.5. da Agenda. Mais à frente, conclui até o INE “sem surpresas, que as estatísticas oficiais disponíveis (41%) não cobrem a totalidade de indicadores. Ainda há muitos que não estão disponíveis” (p. 26). Todos os outros pontos, e são 12, relacionados com a temática do objetivo 16, não são para ali chamados.

É caso para perguntar se o Rei não irá nu.

As causas e os efeitos da corrupção apresentam-se-nos em pelo menos cinquenta sombras de cinzento. A sua complexidade exige uma estratégia de prevenção e combate dogmática de modo a compreender estruturas, dinâmicas e incentivos relacionados com contextos específicos. O trabalho será tanto mais profícuo porquanto integrado num esforço de promoção de reforma institucional, para o qual a sociedade civil tem que estar preparada para intervir ativamente.

Nessa senda, e aproveitando a época de elaboração dos programas eleitorais dos vários partidos políticos, o OBEGEF disponibilizou-se enquanto elemento ativo da sociedade civil, para colaborar com o Estado português na elaboração de um estudo analítico que permita, antes de crucificarmos os vendilhões, assistirmos exaltados à execução pública de alguns escolhidos sabe-se lá por quem ou nos bandearmos para o lado de quem resmunga mas nada faz, conhecer em profundidade a dimensão do fenómeno da corrupção em Portugal, perceber com algum pormenor padronizado, elementos sobre as tipologias de crime e o perfil dos seus autores, os contextos onde os crimes ocorrem, designadamente as fragilidades organizacionais e os fatores de risco que os explicam, bem como a própria eficácia da ação das instâncias de controlo.

Este protagonismo pode e deve ser de todos: ajudar a produzir conhecimento, suscitar o problema, promover a sensibilização de concidadãos e decisores, discutir políticas públicas, demandando a sua eficiência e oportunidade.

Por causa do objetivo 16 da Agenda 2030 e por nós.