Pedro Moura, Expresso online (029 24/07/2019)

Na última edição do Semanário do Expresso (20 Julho de 2019), consta um artigo com os resultados de uma sondagem sobre os assuntos mais importantes para o país na opinião dos portugueses. Em destaque surge o enorme aumento entre Fevereiro e Junho de 2019 da perceção da importância do tema Corrupção, de cerca de 7% para 23% dos inquiridos.

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Fonte: Semanário Expresso de 20 Julho de 2019

Naturalmente este resultado resulta da enorme mediatização de uma série de casos que têm vindo a lume durante estes últimos meses, tais como os grandes devedores à banca, Joe Berardo, fraudes em autarquias, Presidentes e ex-Presidentes da República a manifestarem preocupação com o tema, etc.

A população é enormemente influenciada pelos Media, que são, sem sombra de dúvida, os grandes criadores da realidade social percebida em que as pessoas vivem. Podemo-nos queixar muito dos Media, mas também há que aplaudir quando fazem um bom trabalho, e este parece ser um dos casos.

Pessoalmente acho que um salto destes não se deve somente a uma maior exposição mediática sobre o tema da Corrupção. Não creio que tal fosse suficiente. Há que ir mais fundo para se explicar esta variação.

Toda a gente sabe que a corrupção grassa em Portugal, vivendo-se diariamente com isso sem grande sobressalto. A corrupção ativa ou passiva faz parte constituinte da nossa cultura e prática diárias. Fruto desta convivência próxima com o fenómeno e, sobretudo, da impunidade generalizada, o cidadão comum conforma-se, racionaliza a sua impotência e a da sociedade em geral, vira a cabeça e continua a sua vidinha.

No entanto, nestes últimos meses, o que tem vindo a lume não são só suspeitas ou arquivamentos de casos. Em casos como o de Joe Berardo e da CPI da CGD, dos autarcas que foram detidos, e dos sinais que as forças políticas dão de reconhecimento (não necessariamente de ação) da corrupção como um enorme problema nacional, o cidadão comum percebe uma centelha de esperança. E a esperança traz o reconhecimento de um futuro possivelmente diferente, melhor, em que a corrupção é efetivamente prevenida, detetada e, sobretudo, punida.

Estamos em pré-época de eleições legislativas. Os partidos políticos deviam ouvir os cidadãos e encararem seriamente o problema da corrupção. A corrupção, provavelmente mais que as perdas financeiras que acarreta, penaliza a capacidade da sociedade de ter esperança numa sociedade mais justa e competitiva, em que o mérito e o valor, e não as relações pessoais ou familiares, ditam quem é mais e menos bem sucedido. Em que o investimento na equidade e mobilidade social não é posta em causa continuamente por falta de capacidade de redistribuição de uma riqueza que vai ficando na mão de uns poucos (muitos) espertalhões.

Ouvindo as declarações de intenção dos partidos políticos sobre esta matéria, e comparando-as com as ações concretas dos mesmos constata-se ainda um enorme hiato. Por todo o lado se fica com a noção que os políticos falam de corrupção porque ’tem de ser’.

E tem de ser mesmo. Os partidos políticos deveriam armar-se por uma vez em adultos responsáveis e unirem esforços e propostas num Plano de Regime de Combate à Corrupção a levar a cabo durante a próxima legislatura, que não fosse afetado pelas tricas político-partidárias e pelos joguinhos de poder para jornalista e papalvos verem. Este Plano deveria servir como base para uma mobilização e motivação alargada da sociedade, dos cidadãos e das empresas, da sociedade civil, promovendo uma mudança de comportamentos e conduzindo à diminuição da tolerância e permissividade às pequenas e grandes falcatruas que vão sendo vivenciadas constantemente. Este Plano deveria também ser alvo de uma definição clara de objetivos, e de correspondentes acompanhamento e avaliação contínuos, para se evitar mais uma medida ‘para inglês ver’.

E já agora, há muitos especialistas na matéria que podem ajudar na conceção, execução e monitorização deste Plano, como o Observatório de Economia e Gestão da Fraude (OBEGEF) e outros. Haja coragem para assumirem de vez a corrupção não como mais um tema para spinning político, mas como um cancro que nos vai matando lentamente e que tem de ser devidamente diagnosticado e tratado.