José António Moreira, Expresso online (030 31/07/2019)

Cerca de três meses depois, volto, neste espaço de opinião, a tomar como objeto de análise a Montepio Geral Associação Mutualista (MGAM). Justifica-se este revisita pela preocupação pessoal, enquanto cidadão, com a respetiva situação económica e financeira e pelo facto de, entretanto, terem sido disponibilizadas as suas contas consolidadas.

A análise das contas individuais da MGAM mostrou uma evolução muito problemática, em que o registo de impostos diferidos ativos veio criar a ilusão (temporária) de uma saúde económica e financeira que a associação não possui. Nessa altura ficou-me a dúvida sobre se o grupo, no seu conjunto, apresentaria evolução mais propícia, por via de um melhor desempenho das restantes empresas a ele pertencentes. Infelizmente, para os associados em particular, para o país como um todo, não foi isso que constatei.

Num contexto macroeconómico relativamente favorável, o ano de 2018 mostra uma quebra acentuada da atividade do grupo, com reflexo nos resultados obtidos e na deterioração da situação financeira, espelhada esta na redução dos capitais próprios.

A tabela seguinte sintetiza a evolução com base em três indicadores (valores anuais milhões €):

Rubrica

2018 2017

Variação

percentual

Resultado operacional (antes de imparidades)

92,8

239,0

-61,1 %

Total do rendimento integral (operações em continuação)

-105,8

906,5

-111,7 %

Capitais próprios do grupo

242,6

494,6

-51,0 %

As imparidades e provisões são, por via da subjetividade que está subjacente ao respetivo cálculo, potencialmente propícias a serem utilizadas para manipulação dos resultados. Daí o tomar o resultado operacional sem o impacto dessas componentes para formar uma perceção da evolução económica do grupo. Verifica-se uma quebra de 61% nesse resultado, o que é particularmente grave.

Porém, como nem todas as perdas afetam o resultado do período, já que as normas contabilísticas permitem que algumas sejam registadas, diretamente, nos capitais próprios, tomo como base de análise o total do rendimento integral das operações em continuação, por refletir de modo mais abrangente o desempenho do Grupo no período. A evolução negativa é ainda mais dramática, -112%. Pode argumentar-se que o ano de 2017 não é uma boa base para o cálculo dessa variação, por estar afetado pelo inusitado e volumoso registo de impostos diferidos na MGAM. O que não se pode desvalorizar é a dimensão do “prejuízo”, 106 milhões de euros (9,4% do total dos proveitos operacionais).

Por via deste efeito negativo, a que acresce uma alteração normativa no registo dos ativos financeiros e mais umas quantas “miudezas”, os capitais próprios do grupo diminuíram para menos de metade do valor verificado no ano de 2017.

Se esta evolução económica e financeira é, por si só, suficientemente preocupante, a leitura do relatório permite recolher alguns indícios tão ou mais preocupantes, de que destaco:

  1. A menção à venda de uma “carteira de crédito em mora” pelo banco do Grupo, que originou uma menos-valia de alguns milhões de euros, deixa antever que o volume de imparidades registado na instituição possa não refletir, integralmente, os riscos de incobrabilidade subjacentes aos ativos;
  2. O parecer de revisão de contas do auditor KPMG, onde ênfases sobre o pressuposto da continuidade do Grupo e a recuperabilidade dos ativos por impostos diferidos – dois aspetos fulcrais – remetem o utilizador da informação para projeções económicas e financeiras efetuadas pela administração do Grupo. Sonega o auditor a sua opinião sobre a razoabilidade de tais projeções, e com isso sobre a efetiva situação da instituição. Tendo presente que as projeções mostram sempre o que se pretende, bastando escolher pressupostos que sustentem o resultado desejado, trata-se de uma situação clara de alijamento de responsabilidades por parte do auditor, que se afigura dever ser lida pelos utilizadores da informação como um “sinal de perigo”;
  3. O recurso a medidas contabilísticas potencialmente questionáveis – revalorização de imóveis, lucros de uma participada de repatriamento mais do que duvidoso, etc. – , com o intuito de mostrar resultado líquido positivo de 542 mil €.

Em suma, as contas consolidadas corroboram o que se havia constatado na análise das individuais, contribuindo para a sustentação das preocupações por estas suscitadas. Não fora o volumoso registo de ativos por impostos diferidos na MGAM no ano de 2017 e a situação económica e financeira da Associação, do grupo como um todo, já teria feito soar as campainhas de alarme no regulador e no ministério da tutela. Portanto, se outras responsabilidades não lhe vierem a ser assacadas, espera-se que a administração da MGAM seja responsabilizada por ter “escondido” a gravidade da situação, de forma criativa, com isso protelando a tomada de medidas que pudessem atempadamente contribuir para debelar a situação.

As contas foram aprovadas por uma maioria de 95,6% de “uma massa associativa representativa dos cerca de 600 mil associados” (sic). Se essa massa foi da dimensão da que aprovou as contas individuais em março, ascendeu a cerca de 500 associados, menos de 1% do total!

Esta reduzida afluência à reunião ilustra um completo desinteresse dos associados pelos destinos da Associação, e desleixo relativamente à segurança dos fundos que colocaram à respetiva guarda. Se a esta reduzida presença se juntar o voto de braço no ar no decurso da reunião; que parte substancial dos presentes seria composta por funcionários da mesma (dificilmente arriscando um voto de recusa das contas) e que a generalidade dos presentes não se sentiria minimamente confortável a discutir a tecnicidade do relatório em análise, estavam reunidas as condições, à partida, para tão generosa e positiva votação.

Num tal contexto, a administração instalada consegue, sem esforço, no decurso de cada mandato, controlar a organização, com poucas centenas de votos. Consegue, inclusive, torná-la responsável por sanções pecuniárias da responsabilidade, pessoal, dos seus dirigentes. Tudo de forma democrática.

Infelizmente, tal situação não é específica da MGAM. Verifica-se em muitas outras organizações congéneres. Por isso, sugere-se que o poder político, enquanto espera – aparentemente alheio à grave situação da instituição – que o processo em curso de avaliação da idoneidade da administração produza efeitos e venha a ser a luz que brilha ao fundo do túnel, estude forma de impor nos estatutos deste tipo de organizações a inclusão de uma cláusula limitadora do número de mandatos dos órgãos dirigentes. Acredito que seria uma ajuda preciosa para se terem organizações mais saudáveis, em todos os aspetos.