Mário Tavares da Silva, Expresso online (025 26/06/2019)

Apesar de muitos não o quererem, e de tudo fazerem para o evitar, a verdade é que os impostos existem e, desejavelmente, querem-se pagos. Mas será que sempre assim sucede? A resposta é, infelizmente, negativa.

Na verdade, as empresas que atuam no mercado único digital («Digital Single Market» ou DSM), que constitui aliás uma das 10 prioridades políticas da Comissão Europeia pelos mais de 500 milhões de potenciais consumidores que alberga, pagam efetivamente menos impostos do que as que atuam segundo modelos empresarias tradicionais, mesmo que os lucros sejam idênticos ou, até mesmo, em muitos dos casos, superiores.

Basta, aliás, ver a este propósito, a avaliação de impacto realizada em março de 2018 e que acompanhou o pacote «Tributação da economia digital», para se desvelar aí, de forma clara que, em média, as empresas digitalizadas estão sujeitas a uma taxa de imposto efetiva de apenas 9,5%, enquanto esta atinge os 23,2% para os modelos empresariais tradicionais.

Mas como se explica então que isto suceda?

Principalmente, porque de acordo com a legislação em vigor, as empresas apenas podem ver tributados os lucros obtidos pela atividade que desenvolvam num determinado país se aí se encontrarem fisicamente presentes e não, como sucede com muitas destas empresas, se desenvolverem o seu negócio exclusivamente através de meios e plataformas digitais.

Esta distorção legal traz consigo uma preocupante e intolerável iniquidade fiscal no contexto do comércio em geral, sobretudo para os demais operadores no mercado que, pelo simples facto de não desenvolverem a sua atividade no DSM, dela não podem beneficiar.

Esta situação é, aliás, a este título, duplamente injusta pois, por um lado, apenas as empresas que não desenvolvam a sua atividade no DSM pagam (ou devem fazê-lo) os impostos devidos, o que não acontece com as empresas digitalizadas que beneficiam, ainda, por outro lado, das mesmas vantagens e infraestruturas que as demais, como sucede, e apenas para enumerar algumas das mais importantes, a velocidade de internet, estradas e vias de comunicações e um sistema legal estável e eficaz.

Ao não pagarem os seus impostos nos países em que desenvolvem a sua atividade, as empresas digitalizadas atuam à margem do sistema, não contribuindo, solidariamente, para o esforço orçamental comum e provocando, simultaneamente, entorses no funcionamento livre e concorrencial do mercado. E isso faz toda a diferença e, sobretudo, torna esta questão um sério problema para todos e cada um de nós.

Um problema de tal forma ingente que a verdade é que se nada for feito, todos perderemos, como sempre sucede, em benefício de alguns poucos. Recorde-se, a este propósito, que a implementação do DSM pode contribuir anualmente para a economia europeia com aproximadamente 450 biliões de euros, potenciando um significativo aumento de postos de trabalho e uma profunda remodelação dos serviços públicos.

Neste novo e frenético ambiente digital em que se entrelaçam os Estados, as suas  economias, as suas empresas  e, sobretudo os seus cidadãos, o esforço que a todos se exige com o pagamento dos impostos devidos, deverá continuar a servir o propósito maior de justiça fiscal, da solidariedade contributiva e, sobretudo, da sustentabilidade geracional no plano de finanças públicas nacionais que se desejam equilibradas e adequadas para fazer face às necessidades reclamadas por uma exigente e, em regra dispendiosa, satisfação do bem coletivo, em particular nos sensíveis domínios da educação, da saúde e dos transportes.

Cada um deve, pois, contribuir com a sua parte na exata medida daqueles que são os seus lucros, parte essa sem a qual os governos nacionais não terão reunidas as condições para assegurar às populações os bens e serviços que elas necessitam ou, pelo menos, tenderão a invocar, como vem sendo hábito por essa Europa fora, disporem de menos recursos para o efeito.

Nesta medida, impõe-se uma mudança de normativo, de forma a que todos paguem aquilo que é devido. Como resposta a essa necessidade, a União Europeia tem vindo a desenvolver esforços no sentido de obter um sistema fiscal mais justo que procure combater a fragmentação do mercado, garantir a inovação e o desenvolvimento económico e assegurar, no final do dia, que todas as empresas, digitalizadas ou tradicionais, de pequena ou grande dimensão, contribuam com o imposto devido, numa clara e nova dinâmica de mercado que se pretende, em primeira linha, mais justa e mais equilibrada.

É também neste contexto mais global que surge o recente «Relatório sobre crimes financeiros e a elisão e a evasão fiscais» elaborado pela «Comissão Especial sobre os Crimes Financeiros e a Elisão e Evasão Fiscais» e aprovado pelo Parlamento Europeu no passado dia 26 de março de 2019.

O documento, que se saúda e que apenas peca por tardio, assume, entre outras preocupações, a de apresentar linhas de futuro quanto às possíveis soluções a adotar no quadro do impacto produzido pela digitalização no plano fiscal internacional, corporizando-se como mais um importante elemento do denominado pacote fiscal digital, em que avultam, entre outras medidas, a comunicação da Comissão, de 21 de março de 2018 intitulada «Chegou o momento de estabelecer uma norma de tributação moderna, justa e eficiente para a economia digital» e as propostas de Diretiva relativas à tributação das sociedades com uma presença digital significativa.

Como se esperava, a liderança de todo este processo não tem sido fácil, em particular dados os interesses em jogo de alguns importantes conglomerados empresariais digitais, pelo que sem prejuízo de uma solução mundial para a tributação da economia digital que possa resultar do meritório trabalho pró-ativo desenvolvido pelos Estados-Membros, sobretudo ao nível da OCDE e das Nações Unidas, a UE não se deve quedar passiva e eternamente numa longa e interminável espera, qual Estragon e Vladimir se entretinham com banalidades enquanto esperavam por Godot, mas sim agir de imediato, eficaz e adequadamente.

Trata-se, afinal, de uma exigência de cidadania, fiscal em primeira linha, e que como tal deve ser encarada.

É que na verdade também aqui o tempo é dinheiro e, uma vez mais, para não variar, dinheiro de todos nós!