Pedro Moura, Expresso online (023 12/05/2019)

Pior que a ausência de expectativas é a criação continuada de expectativas e a também continuada incapacidade de se cumprirem as mesmas.

Já dizia Buda que uma das grandes causas do sofrimento humano são precisamente as expectativas.

Vem isto a propósito da recente aprovação, no nosso estimado parlamento, de pacotes legislativos direcionados à prevenção e combate a fenómenos de corrupção nesse mesmo parlamento (alterações ao estatuto dos deputados, regulamentação do lóbi e novos impedimentos e incompatibilidades dos deputados, mais aqui).

À primeira vista a tentação é de aplaudir qualquer medida legislativa que os nossos caríssimos deputados e deputadas produzam com intenção de lutar contra a corrupção. Fica-se na expectativa que algo mude para melhor, e que o nosso país venha a sofrer menos às mãos de gente cuja principal arte é traficar influências, conseguir favores e rendas da máquina estatal e, geralmente, sair impune.

Todavia estas (e outras) expectativas têm vindo a ser goradas de uma forma coerente e sistemática. O povo já descrê de tudo, resignado que está em face de tanta tramoia, compadrio e impunidade. E resignado que está, demite-se de tudo o que possa ser participação cívica ou crença num futuro melhor orquestrado pelos nossos ‘líderes’.

Estatisticamente esta recente legislação anticorrupção deverá seguir o mesmo caminho que tentativas similares no passado: fazem-se e aprovam-se leis, melhor ou piores no seu conteúdo e forma, mas aprovadas. E depois não se cumprem, seja por falta de meios, vontade, ou pela capacidade das partes interessadas influenciarem os processos no sentido de os parar. Ou seja, criam-se expectativas com alarido, e ao não se cumprirem quebram qualquer confiança que os cidadãos pudessem ter nos sistemas político e judicial.

Como se diz amiúde em Portugal: para isso mais vale ficarem quietos.

A incapacidade que nós temos, enquanto país, de controlar a corrupção mina a qualidade da nossa democracia. A corrupção dificulta o crescimento económico, deturpa a redistribuição da riqueza disponível e, acima de tudo, leva a uma apropriação indevida das instituições e centros de poder por parte de clientelas com fins meramente rentistas.

Quando os níveis de corrupção são elevados, mais que indignação, o que se gera é apatia, afastando ainda mais os cidadãos da participação cívica e política, e fomentando-se uma cultura mimética de clientelismo e corrupção.

Infelizmente há hoje, em Portugal, indícios claros que as práticas de corrupção são generalizadas no aparelho do Estado, e em muitas das relações que entidades supostamente privadas têm com o Estado. Tentando olhar ‘de fora’, parece haver um entendimento tácito de ‘como as coisas funcionam por aqui’. É uma cultura abjeta, mas de alguma forma consentida por todos, os que com mestria a praticam, e os que, asnos, perante tudo isto olham, grunhem alguma indignação numa rede social e logo se voltam para o lado.

Serei pessimista, mas temo que estes novos pacotes legislativos anti-corrupção aprovados no parlamento encontrem o mesmo fim que tanta outra legislação passada: não passarem do papel, ou simplesmente serem driblados pela tão lusa capacidade de aldrabar e dar um ‘jeitinho’

Obviamente, tenho a expectativa de estar errado. Obviamente, não é uma expectativa muito elevada, para bem da minha saúde mental.