Mário Tavares da Silva, Expresso online (007 20/02/2019)

Desde há muitos anos a esta parte, que um dos temas que mais tem empolgado os debates parlamentares em Portugal e mais mediatizado tem sido pela comunicação social, é o que se relaciona com o modelo de recrutamento para o desempenho de cargos dirigentes de entidades públicas. Entidades que, como todos sabemos, servem para que o Estado, através dos vários ministérios, desenvolva de forma adequada e eficaz as suas políticas públicas, nas mais diferentes áreas da governação.

Trata-se, invariavelmente, de um assunto da maior importância, delicadeza e seriedade, sendo exclusivamente nesse plano que se situa este pequeno contributo para o debate.

Por conseguinte, não temos desde já qualquer pretensão de avaliar o modelo vigente, antes apresentar sim algumas pistas de reflexão futura sobre a forma como deve ser olhado o problema.

Assim, e se por um lado é verdade que todos tenderemos a estar de acordo relativamente à seriedade e complexidade do tema, também não deixaremos todos de concordar que o debate nem sempre assim tem sido orientado pelos principais decisores políticos ao longo das últimas décadas, arrastando-se frequentemente a reflexão e discussão públicas da matéria para a arena lodacenta da politiquice trauliteira que tem servido, tão só, para adensar a espessa cortina de nevoeiro que esconde a verdadeira essência do problema.

A equação é simples e, nessa medida, não encerra particular mistério.

Os dirigentes servem os governos que os nomeiam e os governos servem-se dos dirigentes que nomeiam para executar as suas políticas.

Mas será isso necessariamente reprovável?

Sim e não, pelas nuances que passo a explicar.

 Sim, porque os cargos dirigentes são, na sua essência, cargos de elevada responsabilidade e, numa parte significativa dos casos, de grande exigência técnica, constituindo, em primeira linha, o prolongamento das políticas setoriais sob responsabilidade dos vários membros do governo. É como tal expetável neste enquadramento que os candidatos a dirigentes e futuros dirigentes saibam, pelo menos, o que é uma política pública (o ideal seria mesmo que conhecessem a do setor específico em que irão assumir funções) e, sobretudo, o que é ser um dirigente de topo numa instituição do Estado. Uma espécie de kit mínimo para que, pelo menos, logo na entrada, não façam má figura ou, como se sói dizer, para se começar a falar. O que sucede, muitas vezes, é que esse kit mínimo não se encontra desde logo assegurado, seja porque o recrutado não sabe o que é uma política pública, seja porque não sabe o que é sequer ser dirigente de uma entidade pública. É certo que até poderá saber de muitas outras coisas, mas essas certamente não lhe serão muitos úteis para a gestão regular, adequada e eficaz que se lhe exige enquanto primeiro responsável da entidade.

Isto sucede frequentemente porque o dirigente nomeado não tem sequer experiência de dirigente, mas apenas (quando tem) um fugaz tirocínio que, a um tempo, o tornou o mais perfeito dos candidatos ao lugar.

É por esta razão que entendo desejável que os dirigentes saibam da poda que vão tratar, garantindo-se-lhes, concomitantemente, como contrapartida pelo seu desempenho, a sua permanência nos lugares em que foram investidos, sempre que os objetivos a que se comprometeram perante quem os nomeou, forem cumpridos com sucesso.

Uma administração com dirigentes competentes e de elevado prestígio perante os diversos quadrantes políticos é uma administração que cumpre, acima de qualquer suspeição, a sua missão, permitindo-lhe, aos olhos dos cidadãos e dos vários governos que serve, granjear uma maior aceitação social e erradicar, ou pelo menos minimizar, as reservas sobre a integridade dos diversos nomeados.

 Não, porque um dirigente competente e íntegro deve colocar a sua ação acima dos interesses do governo que o nomeia. A confiança política de quem o nomeia não deve significar, em circunstancia alguma, a obliteração dos seus deveres funcionais e, em particular, dos seus compromissos de natureza ética enquanto primeiro responsável pela entidade que lidera e, sobretudo, pelo cumprimento e observância exclusiva da prossecução do interesse público. Descurar essa sua responsabilidade é defraudar esse mesmo interesse público que, nos termos da Constituição e da Lei, jurou servir.

Neste particular, não me parece existirem razões objetivas nem de qualquer outra natureza para que os melhores, e repito os melhores, independentemente das suas preferências clubísticas, literárias, musicais ou partidárias, sejam os escolhidos. No final da jornada para que foram inicialmente investidos, o que lhes será exigido é que prestem contas pela gestão efetuada. E, como em tudo na vida, caso as coisas não corram de feição, devem ser retiradas as devidas ilações, mesmo que no fim de semana seguinte, se encontrem todos sorridentes no congresso do partido para discutir o seu futuro que, para o bem e para o mal, é também afinal o de todos nós.