Óscar Afonso, Expresso online (008 27/02/2019)

Em Setembro de 2016, perante a estagnação no crescimento do volume de comércio mundial, o director-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) afirmou que a desaceleração servia de alerta e era particularmente preocupante no contexto do crescente sentimento anti-globalização. Manifestava-se contra políticas protecionistas penalizadoras do nível de comércio e, assim, da criação de emprego, do crescimento e do desenvolvimento económico. Apesar desses avisos, a administração Trump veio propor a guerra comercial como solução, impondo restrições ao comércio internacional. Paralelamente, também a vitória do “não” à União Europeia pelo Reino Unido, na sequência do denominado referendo Brexit, representou um sinal de progresso do protecionismo sobre a livre troca.

O argumento dos defensores da livre troca é basicamente o seguinte: uma escalada de restrições às importações por uns países (que são as exportações de outros países) não favorece as exportações relativamente às importações, mas sim as atividades económicas direcionadas para o mercado interno relativamente às atividades económicas direcionadas para mercados externos. O protecionismo promove, por definição, a incorreta afetação de recursos à escala global, estimulando o desperdício de recursos e a perda global de bem-estar social. Ao limitar a concorrência, a escala de produção, e a quantidade e qualidade do investimento penaliza, também, o crescimento económico. É, pois, absurdo que se utilizem medidas protecionistas por motivos de balança comercial, embora os políticos e “especialistas” frequentemente cometam esse grave erro. Desequilíbrios externos são o reflexo de desequilíbrios domésticos, pelo que a política comercial externa não é a resposta mais acertada para combater défices comerciais.

A globalização é, como se sabe, um conceito mais abrangente que o de livre troca de bens e serviços pois refere-se à interligação das atividades económicas a uma escala global, através de movimentos de bens e serviços e também de factores (capital e pessoas). Embora se considere como capaz de melhorar a economia de um país, porque, por exemplo, melhora a afetação dos recursos à escala mundial e difunde o conhecimento tecnológico a nível global, essa posição continua a ser controversa. Por sua vez a corrupção, definida como toda a prática ou todo o comportamento desviante, tem sido identificada como um mecanismo central na relação entre globalização e desenvolvimento económico, que, como sabemos, é também um conceito vasto que envolve o crescimento económico e outros aspetos relacionados com o bem-estar de uma nação, como os níveis de educação e saúde.

Enquanto o argumento teórico dominante considera que a corrupção afeta negativamente o desenvolvimento económico, há também estudos que, pelo contrário, concluem que a corrupção pode estimular o desenvolvimento. Por exemplo, facilitando transações comerciais em condições de restrições regulatórias extremas. Também não é claro na literatura se a globalização reduz a corrupção, promovendo a transparência, ou se, inversamente, é um difusor de práticas corruptas.

Falando mais especificamente sobre cada relação entre as variáveis em jogo, comecemos pela relação entre a globalização e desenvolvimento económico. A posição teórica dominante considera, na linha da posição institucional da OMC, que a globalização melhora o desenvolvimento económico. O argumento básico é que a globalização difunde os efeitos positivos da atividade económica, do offshoring, do outsourcing e do Investimento Direto Estrangeiro (IDE). Nos últimos anos, porém, esse optimismo foi atenuado com a constatação de que o efeito da globalização depende da capacidade do país anfitrião para absorver as novas tecnologias, necessitando, por exemplo, de um stock mínimo de capital humano. Não admira, portanto, que tenham surgido movimentos anti-globalização, segundo os quais a globalização é uma força empobrecedora que reflete o neocolonialismo.

No que toca à relação entre corrupção e desenvolvimento económico, a posição dominante sustenta que a corrupção afeta negativamente a capacidade de desenvolvimento de um país, porque priva cidadãos comuns de bens e serviços vitais e porque impõe custos sociais severos. Pode prejudicar o crescimento económico, essencialmente por dificultar a correta afetação de recursos, e a quantidade e a qualidade do investimento. Assim se entende, por exemplo, que o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional sejam relutantes no apoio aos investimentos em países corruptos. Mas há também literatura a sustentar que a corrupção favorece o desenvolvimento económico; por exemplo, ao reduzir a burocracia pode favorecer o empreendedorismo e, assim, o investimento. Certo, no entanto, é que geralmente países com os menores níveis de riqueza económica per capita tendem a ser os mais corruptos.

Quanto à relação entre globalização e corrupção, a posição dominante sugere que a globalização reduz a corrupção porque traz novos mecanismos de responsabilização, instituídos pelos parceiros comerciais internacionais que pressionam o estado a reduzir a corrupção. Assim se compreende que a corrupção seja menor nos países pertencentes a um maior número de instituições internacionais. Efetivamente, muitas instituições internacionais consideram a globalização como uma ferramenta poderosa no combate à corrupção uma vez que pressupõe reformas estruturais e institucionais, como a liberalização dos mercados, o fortalecimento da concorrência, a transferência de tecnologia, a garantia de direitos de propriedade, o estado de direito, a transparência e o aumento da qualidade dos serviços públicos que melhoram a atratividade do país em relação ao comércio e ao investimento. Essas reformas constituem o canal de transmissão através do qual a globalização afeta a corrupção. Mas há também literatura que sustenta que a globalização aumenta a corrupção, considerando que, pelo menos para países de baixo rendimento per capita, os fluxos de IDE recebidos estão associado à corrupção, hipoteticamente porque as rendas do IDE são de valor relativamente maior nesses países. A maior interação internacional pode ser problemática na medida em que a corrupção é contagiosa, pelo que face à globalização, os países de origem exportam práticas corruptas.

Refira-se ainda que há literatura a tratar da relação inversa entre corrupção e globalização. Neste caso, há estudos que consideram a corrupção susceptível de prejudicar a globalização porque os efeitos negativos da corrupção na transparência e na pobreza desencorajam o IDE. Outros porém observam que a corrupção pode melhorar a globalização e o comércio internacional porque evita regulamentações pesadas e restrições administrativas.

Não há, portanto, consenso na literatura quanto às relações entre globalização, corrupção e atividade económica, porque há problemas de medida das variáveis e porque há uma série de canais contraditórios envolvidos. É o peso dos canais que determina o sentido de cada relação e não deixa de ser dependente dos conceitos avaliados. Por exemplo, a medida da “globalização” é geralmente limitada à integração económica; no entanto, ao relacionar a globalização com a corrupção faria também sentido considerar a integração social e a integração política.