Pedro Moura, Expresso online (004 07/02/2019)

À ‘corrupção’ tendo a separá-la em dois grandes grupos: por um lado a 'corrupção ativa’, em que há um esforço concreto e dirigido à apropriação indevida de bens e recursos por parte de alguém; e por outro lado a ‘corrupção passiva’, caracterizada sobretudo pela ausência de atitude e pelo deixa-andar em relação a situações incorretas, não necessariamente para benefício de quem a pratica.

Considero sermos, em Portugal, pródigos em ambas as modalidades. Neste artigo irei focar-me na corrupção ativa, deixando considerações sobre a outra modalidade para futuro texto.

No que toca a corrupção ativa temos inúmeros exemplos (os conhecidos) de pessoas e organizações, geralmente próximos das esferas de poder, que engendram verdadeiros planos criminosos para a obtenção de proveitos e recursos que não lhe pertencem por direito.

A promiscuidade entre o poder político e o poder empresarial, eivada de teias de influência e jogos de bastidores e alicerçada na deficiente qualidade das nossas instituições de fiscalização, regulação e justiça cria um terreno fértil para fenómenos de corrupção em grande escala.

Sabendo-se que o poder em Portugal esteve quase sempre mais nas mãos de atores pertencentes às elites que às instituições propriamente ditas, é natural que assim seja, pois desta forma instituições que deveriam ser democráticas e gerar benefícios para a Res Publica transformam-se em instituições extrativas, veículos dos tais atores das elites sobretudo para seu próprio benefício. Some-se um edifício legislativo demasiado complexo, de difícil interpretação e ainda mais árdua fiscalização, e está gerado um claro pântano de conveniência para os ‘donos disto tudo’.

Não é assim de estranhar a enorme quantidade de casos de alta corrupção que vieram a lume nos últimos anos. A aparência é de existir uma verdadeira escola de gatunagem de alto nível, com uma formação admirável nas artes do engano e da gestão danosa. E o pior é que, a fazermos fé no rácio 'recursos sonegados à esfera pública' / ‘condenações', o crime parece continuar a compensar.

O povo, alimentado por doses instantâneas e repetidas de ‘casos’ fornecidos em barda pelos meios de comunicação social (popularuchos e não só) e pelos espasmos raivosos (a que alguns tentam dar o nome de debate) nas redes sociais, e sem a capacidade ou a paciência para compreender minimamente do que se trata, vai-se a pouco e pouco anestesiando e ficando mais insensível a todo este estado de coisas. E muitos, com ar doce e inocente, ainda se perguntam porque há uma deriva populista que coloca em causa os tradicionais esquemas políticos dos partidos do poder. É caso para dizer que têm olhos mas não vêm (ou vêm mas não querem realmente saber).

Não se conseguindo mudar hábitos facilmente (neste caso os hábitos de gatunagem de muitas elites que de tal só têm o nome), e sabendo-se que esperar pacientemente por alguma iluminação divina que transforme subitamente o caráter desta gente no sentido de uma ética e responsabilidade mais preocupada com o bem público que com a sua carteira e poder será uma miragem de ‘amanhãs que cantam’, há um fator que julgo pode mitigar fortemente o impacto da corrupção ativa: a transparência. A transparência em tudo o que tenha a ver com qualquer tipo de recurso público.

E quando falo de ’transparência’ refiro-me a um esforço sério para eliminar ativamente todos os obstáculos a que se conheçam os pormenores referentes às várias decisões, ações, interesses de todos os agentes e instituições, públicos ou privados, que tenham alguma coisa a ver com recursos públicos.

Para dar um exemplo: todas as empresas com algum tipo de negócio ou apoio público deviam saber que o Estado (e porque não o próprio público?) poderia ter acesso irrestrito a todas as suas contas e movimentos, em qualquer ocasião.

Dirão que é uma proposta radical, que coloca em causa a própria natureza privada de um negócio.

Acedo e sou sensível ao argumento, mas utilizando provérbios bem conhecidos, por um lado 'quem não deve não teme’ e por outro ‘para grandes males, grandes remédios’. Além de que se uma empresa não estiver disposta a este tipo de escrutínio, então que opte por não ter acesso a nenhum recurso público, seja ele por comércio normal ou por um qualquer apoio ou subsídio. Dado o excessivo nível de presença do Estado na economia, o afastar de empresas ‘tóxicas’ da mama pública poderia gerar um potencial (e interessante) corolário de aumento real de competitividade do tecido empresarial privado.

Claro que esta questão de ’transparência’ mais radical precisa de instituições com a vontade e força suficientes para tal se implementar.

E aqui reside a minha grande dúvida, pois mais transparência chateia muita (muita) gente, com muito poder, que está habituada ao encosto dos bens públicos.

Para desanimar, basta ver o esforço (incompetente) que foi feito para ocultar os nomes nos grandes créditos ruinosos da CGD. Para quê? Qual o fim real? Quem seria prejudicado com a divulgação não censurada desta informação?

Ou ainda um outro caso emblemático: a reação vigorosa do Governo à divulgação de um relatório sobre a economia portuguesa da OCDE no que toca ao conteúdo relativo a corrupção no nosso país. Qual o problema aqui? Se eu fosse o Governo, mais que fazer-me de (falsa) virgem ofendida, quereria todo o apoio interno e externo para colocar a corrupção na ordem do dia, e obter apoio popular e político para implementar medidas sérias nesta matéria. Mais uma vez, quem lucra? Cherchez l’argent.

Acredito em Portugal, mas haveremos sempre de não passar da cepa torta caso não consigamos enfrentar seriamente este parasita (ia escrever cancro, mas cancro geralmente mata, enquanto que um parasita costuma extrair e enfraquecer sem matar, não vá ter a maçada de ter de procurar outro hospedeiro).