António João Maia, Expresso online (003 24/01/2019)

Se quiséssemos classificar com uma espécie de “palavra-chave” o contexto que carateriza presentemente a nossa vivência coletiva, creio que o poderíamos fazer com o termo “corrupção”, dada a cadência com que a comunicação social nos tem confrontado com novos casos, com novas suspeições, envolvendo necessariamente nomes de pessoas (geralmente de destacadas figuras da vida política e pública nacional) e das instituições a que invariavelmente e pelas mais diversas razões estão ou estiveram ligadas.

A corrupção transformou-se numa espécie de tema da moda. De tema que teima em não sair debaixo das luzes da ribalta, e que esta teimosia se fica a dever sobretudo à dificuldade que alguns (os suspeitos, claro) parecem ter na capacidade para concretizarem os princípios da Ética e da Integridade.

Julgo que seja evidente que todo este desfilar de casos a que temos assistido, ou pelo menos a sua grande maioria, dificilmente possa ser fruto de “invenção” dos jornalistas ou de mera “perseguição” de terceiros, apesar de em regra esses serem os principais argumentos defensivos apresentados pelos visados. Para estes, tudo não passam de “cabalas”, de “perseguições” e de mal-entendidos, apesar das notícias que envolvem os seus nomes apresentarem por regra indícios mais ou menos claros do seu envolvimento nas ações ou nas decisões sob suspeição.

E é todo este desfile de casos de corrupção, que por vezes se assemelha a uma espécie de passagem de modelos de negatividade (cada um parece pior, porque mais engenhoso e mais perverso do que o anterior), que se torna num verdadeiro espetáculo.

E tal como qualquer outro espetáculo, também este tem um palco, onde se desenvolvem as cenas, um naipe de artistas principais e secundários, uma assistência e até (sobretudo) os bilhetes para custear o pagamento dos artistas.

O palco onde o espetáculo se desenrola acaba por ser a própria vida social no seu todo, onde todos nos encontramos mergulhados, tabuleiro onde se articulam e jogam todos os interesses, poderes e influências.

O naipe de artistas, claro está, é composto por aqueles cujas decisões e ações revelam uma ausência de Ética e de Integridade, e que, deste ponto de vista, mostram uma extrema prudência e frieza, quer por desrespeitarem os outros e as regras da sã vivência social, quer por procurarem ocultar sabiamente essas suas opções.

Os artistas principais, como lhes chamamos, são as destacas figuras da vida social e política que por qualquer razão são objeto de uma suspeição e por isso se vêem colocados em lugar de destaque pelo foco mediático. E os artistas secundários são todos aqueles que têm uma ação em tudo semelhante aos artistas principais mas que, por cuidado ou simplesmente por sorte, não são ou não foram ainda objeto de suspeições nem naturalmente do foco mediático. Podem ser incluídos também entre os artistas secundários aqueles que apesar de serem objeto de ações suspeitas ocupam uma posição social que por si só não revela suficiência para conferir um particular destaque mediático aos seus casos. Estes são “apenas” objeto dos processos criminais a que haja lugar.

E em toda esta encenação nem têm faltado sequer os rituais em que os líderes políticos fazem discursos circunstanciais sobre a necessidade de se controlar e prevenir o problema, e cujo principal efeito que produzem é a reclamação pelos responsáveis institucionais de mais meios para o exercício de tais tarefas.

Quanto à assistência, ela é na realidade composta por todas as pessoas que compõem a sociedade. Em certo sentido, a assistência deste espetáculo são os cidadãos e as cidadãs que dão forma à sociedade.

E, tal como em todos os espetáculos que conhecemos, esta assistência também paga o seu bilhete para poder assistir. E as verbas resultantes da venda dos bilhetes destinam-se a pagar aos artistas. A todos os artistas, exatamente como noutro qualquer espetáculo.

Porém, neste espetáculo que é a corrupção, há um diferencial de enorme importância. Ninguém fica de fora! Todos pagamos o nosso bilhete para ocupar um lugar na assistência.

E alguns – uma minoria (?) com menores índices de Ética e da Integridade –  pelas suas ações mais ou menos visíveis e escrutinadas e mais ou menos mediatizadas, são os artistas. São os que vão beneficiar do valor dos bilhetes, que, neste sentido figurado, representam os custos reais da corrupção. Todos pagam para que alguns tenham benefícios. Todos pagamos a corrupção!

Sim, é verdade, a corrupção tem custos! Desde logo custos financeiros associados aos conflitos de interesses em determinadas decisões, como sejam por exemplo nas decisões de política pública sobre as opções e localização de grandes projetos de infraestruturas públicas, ou, a nível administrativo, na contratação pública, em que em troca de favores e outros benefícios financeiros ilegítimos inquinam e desvirtuam os valores fundamentais e os mais básicos princípios de uma adequada e isenta gestão pública. O estudo recentemente publicado The Costs of Corruption Across the EU, que avalia os custos da corrupção nos diversos países da União Europeia, estima que em Portugal o problema tenha um custo estimado em cerca de 18,2 biliões de Euros, o equivalente a 7,9% do PIB, valor que seria suficiente para custear duas vezes o orçamento da educação, ou dez vezes os apoios ao desemprego.

Mas a corrupção tem também custos associados à confiança nas instituições. Dificilmente se consegue confiar numa entidade quando existem sinais de que aqueles que a servem apenas procuram a satisfação dos seus intentos particulares negligenciando o exercício das funções que na realidade deveriam assegurar.

Há ainda uma outra dimensão que acentua a tristeza associada a este espetáculo. Trata-se da (in)ação da denominada sociedade civil, dos cidadãos, daqueles que assistem e custeiam o espetáculo.

À sociedade civil ou aos cidadãos cabe desempenhar uma ação de grande importância sobre todas as questões coletivas, que a todos dizem respeito, como seja o controlo da corrupção. Se na realidade são os cidadãos que pagam o bilhete, leia-se que com os seus impostos custeiam todo o funcionamento das estruturas de governação e administração pública, então têm de ser eles que, numa lógica de legítima defesa dos seus interesses, devem procurar sinais de garantia de uma boa e adequada gestão desses seus contributos e da uma boa e adequada satisfação das suas expectativas sobre a governação e a gestão pública.

E neste particular, a sociedade civil portuguesa tem revelado modestos valores quanto à capacidade de se envolver efetivamente na defesa das questões coletivas, como foi recentemente evidenciado pelo estudo Democracy for all? - V-DEM annual democracy report 2018, do Instituto V-DEM da Universidade de Gotemburgo.

A fraca capacidade para nos envolvermos de forma mais ativa e interessada em torno da defesa das nossas legítimas expectativas sociais é um factor que nos empurra e mantém na bancada deste (triste) espetáculo que é o de assistirmos todos a dias à entrada em cena de novos casos de corrupção.