Óscar Afonso, Expresso online (002 17/01/2019)
Em todos os países existe uma parte da Economia, a Economia não Registada ou Paralela, fruto de comportamentos marginais e desviantes que não é medida pela contabilidade nacional, sendo o seu peso, causas e consequências variáveis de país para país e no decurso do tempo. É um fenómeno complexo e em constante mutação, que depende muito das instituições do país e que se adapta, em particular, a alterações nos impostos, a sanções das autoridades fiscais e a atitudes morais em geral, e que incorpora diversas rubricas – inclui a Economia Subdeclarada, a Ilegal, a Informal, o Autoconsumo e a Subcoberta por deficiências estatísticas.
A Economia Subdeclarada acomoda transações que não são contabilizadas para evitar o pagamento de impostos e contribuições. A Economia Ilegal reporta a produção que não é contabilizada porque resulta de atividades ilícitas, pelos fins ou meios usados. Ambas refletem a fraude, o branqueamento de capitais, os conflitos de interesse, o uso de informação privilegiada, a desregulação e o enfraquecimento do estado, e representam um retrocesso civilizacional que pode colocar em causa a organização social democrática existente.
A Economia Informal e o Auto-consumo comportam atividades económicas associadas a estratégias de melhoria de condições de vida ou de sobrevivência das famílias, e permitem explicar a sobrevivência de populações em países com Produto Interno Bruto (PIB) oficial per capita abaixo do limiar de subsistência, servindo de almofada social, nomeadamente em contextos recessivos, ao evitar maior sofrimento da população.
A definição mais abrangente de Economia Paralela considera que engloba todas as transações económicas que, por diversas razões, não são medidas. No entanto, os estudos sobre a medida tendem a considerar apenas uma ou algumas das suas rubricas e acabam por subestimar o objeto. Efetivamente, a definição considerada depende do propósito, da metodologia e da informação disponível, enfatizando-se sobretudo a Economia Subdeclarada.
Mas como medir o “invisível” (algo que, note-se, acontece também com parte do PIB oficial)? Há basicamente três grupos de métodos estatísticos e econométricos apropriados: monetário, de indicador global e de variável latente. O primeiro estabelece relações entre o PIB oficial e variáveis monetárias, e assume que comportamentos destas últimas à margem dessas relações são motivados por Economia Paralela. Um método de indicador global assume uma relação precisa e estável entre o indicador global e o PIB oficial, sendo a Economia Paralela a diferença entre o PIB oficial e o PIB associado ao indicador global. Um método de variável latente considera variáveis causa e consequência; as primeiras afetam o tamanho e a evolução da Economia Paralela, e as segundas refletem o seu rasto na economia oficial.
O Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF) tem dado conta do peso da Economia Paralela em Portugal. Os últimos dados existentes, obtidos com os justificados e testados modelos monetário e de variável latente, referem-se ao período 1970-2015 e revelam uma tendência de aumento desde o início do período, passando a representar 27,29% do PIB oficial e 48993 milhões de euros em 2015. Para ter uma ideia da grandeza do valor, que a alguns beneficia, diga-se que suportaria o orçamento do ministério da Saúde durante cinco anos e que os impostos respetivos teriam servido para eliminar o deficit público. Estes valores estimados pelo OBEGEF têm sido constantemente contestados pela eminente elite política (porque será?!), mas o que dirá agora que foram cientificamente validados com a publicação “The Non-Observed Economy in Portugal: the monetary model and the MIMIC model”, na revista científica Metroeconomica, indexada em todos os ranking, incluindo, portanto, o conceituado ISI Journal Citation Reports?
Uma análise imediatista ao resultados diz-nos que as causas explicativas são os impostos, contribuições para a segurança social e custos administrativos, a intensidade e complexidade de leis e regulamentos (burocracia), a falta de credibilidade de órgãos de soberania face à conduta de alguns representantes, a ineficiência da administração pública, a falta de transparência no atendimento público, as condições de mercado, o baixo nível de capital humano, a mão-de-obra composta por imigrantes ilegais e clandestinos, a falta de cultura e participação cívica, razões culturais e ambientais, o progresso tecnológico, o baixo índice de confiança na sociedade, a instabilidade social, a carga de regulação e o desemprego. Neste contexto, cresce o incentivo para evasão fiscal, manipulações contabilísticas, relatórios fraudulentos de empresas, manipulações de preços de transferência, de subfacturação e sobrefaturação em operações internacionais, utilização de paraísos fiscais, empresas fantasma, realização de operações fictícias para receber IVA, manipulações fraudulentas de operações alfandegárias, uso de informação privilegiada e transações económicas sem fatura.
Uma análise mais cuidada aos resultados tem de considerar, necessariamente, que o peso varia de país para país por causa das respetivas instituições ou pelo que refletem. Se, como acontece nos países nórdicos, são inclusivas, ou seja, se incluem a maioria da população na comunidade política e económica a Economia Paralela é naturalmente reduzida. Se, pelo contrário, forem extrativas, como acontece em Portugal, então restringem os ganhos económicos a uma elite que servindo os seus interesses se perpetua, subjugando o resto da população. Neste caso, o compadrio, a corrupção, a criação de intermediários improdutivos e de parasitas é, de facto, a regra, desprezando-se a meritocracia em favor de interesses pessoais e/ou políticos. Neste cenário, a elite aproveita a Economia Ilegal e a Subdeclarada para maximizar mais a (sua) riqueza, os pobres excluídos sobrevivem com Economia Informal e Auto-consumo, e a Economia Paralela floresce.
Depois, claro, distorce-se a concorrência entre empresas, reduzem-se as receitas fiscais – logo degradam-se as contas públicas e o investimento e, portanto, o crescimento e a redistribuição –, e as decisões de política económica acabam desajustadas. Além disso, limita-se a democracia porque gera desconfiança e afasta representantes e representados, e gera-se uma ideia de impunidade, perdendo-se a consciência ética. Enfraquecem-se os laços de solidariedade e de respeito mútuo entre cidadãos e entre estes e seus representantes, pelo que, para os eleitores, “qualquer um serve porque todos são iguais”, o que estabelece um clima de passividade face à coisa pública e às decisões políticas. Prejudicam-se as gerações futuras e a dignidade da pessoa humana porque se desviam recursos do investimento produtivo e se impede a afetação de recursos a prestações sociais.
No Portugal de instituições extrativas há, portanto, um longo caminho a percorrer. Há, em primeiro lugar, que tornar as instituições inclusivas, o que requer luta política contra privilégios. Há que aumentar a transparência na gestão dos recursos públicos, educar a sociedade civil sobre os seus efeitos perversos, ter uma justiça mais rápida e eficaz, implementar o crime de enriquecimento ilícito, combater a fraude empresarial e a utilização abusiva de convenções de dupla tributação, incentivar o uso cada vez maior de meios electrónicos nas transações de mercado e combater o branqueamento de capitais.