Mário Tavares da Silva, Expresso online (001 10/01/2019)

Provavelmente, e lido assim de supetão, o título desta crónica parecerá a muitos de vós uma tirada louca e infundada de um pobre visionário. Uma espécie, diria mesmo, de incontido desejo de um qualquer utopista romântico, a quem por vezes nos dirigimos para saber algo que não compreendemos e que quase nunca nos dá respostas ou, quando o faz, nos deixa ainda mais imersos nas dúvidas que nos inquietam.

Dirão certamente os mais atentos e informados que se trata de um exercício de puro lirismo, tamanho o arrojo e desfaçatez do veredito proclamado.

Mas não é verdade!

Trata-se apenas de um sonho pois, por enquanto, a todos é ainda permitido sonhar.

Simplesmente foi isso que sucedeu comigo!

Sonhei que vivia na cidade das sete colinas em pleno ano de 2089.

Os robôs, decidida e implacavelmente, haviam tomado conta da polis e de todos os seus destinos. Nós, os muitos «poetas» de carne e osso que ainda resistiam, procurávamos por todas as formas sobreviver no meio de tanta lata cibernética.

Mas não era tarefa fácil.

A atividade das instituições estava integralmente informatizada, sendo regida e comandada por potentes servidores, capazes de a um só tempo suspender e bloquear qualquer ação ou conduta que a fizesse perigar. Uma imensa rede de estradas virtuais prefigurava-se no horizonte e todos, sem exceção, sabiam qual o caminho a trilhar.

Não havia espaço para falhar nem tempo para tergiversar.

Nesta atmosfera de luz intensa e de máquinas meticulosamente concebidas, potentes algoritmos tratavam intermináveis oceanos de dados que depois de processados, alimentavam as múltiplas necessidades dos cidadãos.

As organizações, públicas e privadas, dispunham agora de sofisticados sistemas informáticos que se interconectavam em nanossegundos para, no imediato, satisfazer as pretensões de todos os que as procuravam. Havia mesmo programas que apenas pela simples inserção do nome de um qualquer colaborador de uma entidade, indicavam de imediato quais as áreas a que o mesmo podia ser afeto, sem risco de ocorrência dos sempre indesejáveis conflitos de interesses. O desempenho das suas tarefas resumia-se agora a uma fria e incontestável decisão informática, assente em variáveis de risco previamente definidas, avaliadas e, quando necessário, vigorosamente despistadas.

As leis decresciam em número e aumentavam em qualidade, pois todos, sem exceção, haviam interiorizado de forma responsável, a necessidade do seu respeito como condição de liberdade e de exercício pleno de cidadania.

Por sua vez, os códigos de ética nas organizações eram tratados informaticamente em articulação com uma multitude de dados pessoais dos colaboradores, permitindo, de forma eficaz e tempestiva, evitar males maiores e desconformes com o bem comum.

As entidades dispunham também de eficazes e transparentes sistemas de controlo interno, alicerçados nas melhores práticas, ditadas na sua grande maioria por potentes e matematicamente complexas combinações de riscos, capazes de tudo prever e de tudo, ou quase tudo, evitar.

Todas as instituições públicas e privadas se conectavam agora a potentes bases de dados pessoais da mais variada natureza, alimentando, por sua vez, as múltiplas e vigilantes entidades de investigação criminal. O objetivo, claro está, era o de tratar toda essa informação, de modo a despistar e a evitar comportamentos desviantes e potencialmente corruptivos.

Era, sem dúvida, uma nova cidade aquela que agora emergia aos nossos olhos, inaugurando um revigorado e pomposamente denominado período de iluminismo cibernético.

Tudo fluía, a final, com normalidade e todos aparentavam ser felizes.

Os poucos corruptores que ainda resistiam a ficar, depressa se decidiam a emigrar para outras paragens, desanimados que estavam com a quebra abrupta do negócio.

Vivia-se e respirava-se um verdadeiro mundo novo que a todos fascinava e incentivava a comportamentos impolutos e cada vez melhores.

Um mundo diferente, salpicado de esperança, lisura e honestidade entre todos os cidadãos e, no qual também todos pudessem ser, ainda que por breves momentos, verdadeiros poetas da ética.

Somente tenho pena que quando esse bem longínquo ano chegar, muito provavelmente já por cá não andarei.