Óscar Afonso, Dinheiro Vivo (JN / DN)

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A quadra de António Aleixo – “A rica tem nome fino; a pobre tem nome grosso; a rica teve um menino; a pobre pariu um moço.” – inspirou esta crónica.

Na sequência da expansão do trabalho assalariado, da urbanização e da globalização, mas também, no caso português, da abertura política pós-Abril de 1974, a família deixou de ser a tradicional unidade de produção auto-suficiente e a modernização trouxe mudanças que diminuíram a centralidade da procriação, como revela a drástica queda nas taxas de natalidade. O desenvolvimento capitalista enfraqueceu, portanto, a família tradicional.

Vários movimentos sociais minoritários emergiram e passaram a defender questões políticas e materiais específicas ou marginalizadas, como a homossexualidade. O enfraquecimento do domínio familiar sobre os indivíduos permitiu que alguns assumissem a homossexualidade. Gays, lésbicas, travestis, bissexuais, transexuais e transgéneros foram-se tornando mais visíveis e prova disso é o aumento do denominado “mercado cor-de-rosa” e de paradas do orgulho de ser “distinto”.

A relação positiva entre desenvolvimento capitalista e comunidades homossexuais é mais complexa olhando para as desigualdades socioeconómicas. Para o homossexual pobre e grosso, a/o bicha, a função económica da família manteve-se. Os baixos rendimentos tornam muito difícil a independência económica do indivíduo, que não acede a espaços restritos a gays e lésbicas (os homossexuais ricos e finos) nem ao poder político, e não ocupa cargos relevantes nem pode comprar favores.

Apesar da todos sentirem atracção sexual por pessoas do mesmo sexo, parecem existir diferenças nos níveis de aceitação pela sociedade em geral, que não deve julgar pelas aparências nem deve ser preconceituosa. Porém, a sociedade tende a ser tolerante com gays e lésbicas, vistos como bons consumidores no nicho de “mercado cor-de-rosa” e intransigente com os bichas “devassos”, que não se encaixam no modelo de cidadão-consumidor.

Tenho ainda para mim que gays e lésbicas são também demasiadas vezes preconceituosos com a “normalidade”. Daí que, por exemplo, muitos defendam acerrimamente o amor / casamento homossexual porque consideram o casamento heterossexual uma instituição falida.