João Pedro Martins, Jornal i,
Junho é um mês negro para os piratas e os terroristas fiscais.
As grandes empresas de petróleo, gás, minérios e madeira vão ser obrigadas a divulgar os pagamentos efectuados a governos, por país e por projecto, sempre que os montantes envolvidos ascendam a 100 mil euros. Estas são as novas regras aprovadas pelo Parlamento Europeu, com o objectivo de garantir a transparência e evitar a corrupção na indústria extractiva.
Na cimeira do G8, que decorreu esta semana na Irlanda, o primeiro-ministro inglês afirmou que os paraísos fiscais têm os dias contados. David Cameron lançou um apelo aos líderes dos países ricos para que assinem um pacto de regime global pela transparência financeira e para pôr fim à batota fiscal internacional.
Uma das técnicas que as multinacionais têm usado para fugir aos impostos é a manipulação dos preços de transferência. A OCDE adoptou o princípio da concorrência e independência das sociedades (arm's length price). Isto significa que as transacções entre as empresas do mesmo grupo (60% de todo o comércio mundial) devem ser contabilizadas a preços de mercado.
O problema reside na dificuldade de contabilizar a previsão do risco, transferência de know-how, resseguros e outras operações camufladas pelas contas consolidadas e pela opacidade dos esquemas de planeamento fiscal oferecidos pelos grandes escritórios de advogados e pelas maiores empresas de auditoria.
As multinacionais criaram uma economia paralela que corrompe a justiça fiscal. Esta escravatura oculta faz desaparecer anualmente 160 mil milhões de dólares que são desviados para paraísos fiscais e correspondem a tributos não pagos nos países em desenvolvimento.
O esquema é simples. As multinacionais enviam as mercadorias directamente dos países produtores para os países onde são vendidas ao consumidor final. Mas enquanto os navios seguem carregados com contentores, virtualmente cria-se um circuito paralelo que permite escapar aos impostos de forma legal.
Nas últimas três décadas, a zona franca da Madeira ficou conhecida internacionalmente como um paraíso fiscal especializado na manipulação dos preços de transferência. Apesar do porto do Funchal não registar movimento anormal de navios de carga, as milhares de empresas-fantasma do offshore português beneficiam de um regime fiscal privilegiado, sem criarem postos de trabalho, nem riqueza em território nacional.
Na prática são simples caixas de correio para abrigar subsidiárias de multinacionais, que se limitam a emitir facturas para transferir os custos da operação para os países de maior tributação e deixar os lucros na Madeira, onde estavam isentas de pagar impostos.
Multinacionais como a cigarreira BAT e as grandes petrolíferas de África e dos EUA, tinham empresas-fantasma na mesma morada no Funchal, para jogar com cartas viciadas no comércio internacional.
Os produtos podiam sair do país produtor ao preço de 10 dólares, pagando baixos impostos na origem. Eram artificialmente inflacionados no offshore da Madeira, onde beneficiavam de isenção fiscal. E chegavam ao país de destino valorizados a 100, muitas vezes apresentado custos superiores às vendas.
Tudo isto acontece ao abrigo da suposta legalidade, sem que as autoridades tributárias, policiais e judiciais, apareçam no terreno para realizarem acções inspectivas, sabendo que todos os dias se viola o n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária, através de negócios fictícios.
Pode ser que um dia, a lei seja igual para todos.