Carlos Pimenta, Visão on line,
O concurso "Imagens Contra a Corrupção" lançado pelo Conselho de Prevenção da Corrupção, é uma iniciativa a louvar
1. A corrupção é um fenómeno que só pode ser explicado com recurso a uma multiplicidade de factores.
É, ao nível individual, a incapacidade de pensar e sentir além de si mesmo, como se a sociedade não existisse; é a hipervalorização do dinheiro e do poder em detrimento da convivialidade, do amor, da abnegação, da participação colectiva, da construção de um futuro melhor; é uma personalidade egocêntrica e solipsista forjada na experiência de vida (determinada pela família, a religião, a educação, as amizades, as relações de vizinhança, as representações sociais, os usos e costumes, os projectos de vida) de cada um.
É, ao nível institucional, a interacção entre as características individuais e um conjunto contextos sociais em que todos nós nos inserimos: a teia de relações sociais, as formas de organização da actividade económica, o balanceamento entre os interesses individuais e os imperativos sociais, as concepções éticas dominantes e as ideologias que reflectem, e suportam, a dinâmica social. É a densidade das relações sociais de enaltecimento da honra e da solidariedade.
É, ao nível social, um vasto conjunto de factores facilitadores ou obstaculizadores dos comportamentos desviantes em relação à lei, ou às práticas sociais de bons costumes. É a proximidade e interacção entre o Estado e os cidadãos, é o conteúdo assumido pela liberdade e pela democracia; é a qualidade dos políticos e as formas de organização da sociedade; é a teia de poderes entre os políticos e os "senhores económicos" do mundo e do país; é a qualidade da legislação, é a intensidade da regulação e da fiscalização; é a organização da Justiça e a sua receptividade aos poderes dominantes.
É, ainda ao nível social, o entrelaçamento entre o mundo dos negócios e o da criminalidade económica organizada que faz com que a corrupção seja um fenómeno mais ou menos sistemático e relevante nas sociedades, mais ou menos plutocrático e sofisticado. Que faz com que com os conflitos de interesse assumam uma maior ou menor impacto na construção da sociedade em que vivemos, metamorfoseando-se em fraudes diversas, em lavagem de dinheiro, em paraísos fiscais e judiciários, em financiamento ilegal das campanhas eleitorais, em economia paralela, em "altos valores patrióticos" subservientes aos lobbies constituídos, em conselhos de administração sem escrúpulos, enfim que acentua a degenerescência das relações éticas.
Dizer de uma forma simplificada "A corrupção é um fenómeno cultural!" é não diferenciar uma multiplicidade de factos, é expressarmos, de uma forma pomposa, a nossa passividade perante a imensidade e a indefinição do problema.
2. A diversidade de factores que poderemos, simploriamente, designar de "culturais" constituem o factor permissivo da corrupção. As mesmas situações podem gerar ou não corrupção, podem manifestar-se de forma mais ou menos adequada conforme as características desses "factores culturais".
Assim sendo facilmente concluímos que:
· O combate à corrupção exige atender às situações imediatas (ex. redução da burocracia, maior fiscalização, leis mais adequadas) mas também às realidades de enquadramento.
· Tal não significa, de forma nenhuma, uma subestimação das medidas pontuais e de acção imediata, mas a necessidade de assumi-las como vertentes de um conjunto mais vasto, de um projecto mais global e integrado, em que se articulem as acções pontuais com as de contexto.
· O combate à corrupção exige mais do que imediatismo, integrável no ciclo eleitoral do faz de conta; só será operacional se também englobar medidas de longo prazo (ex. mais cidadania, mais democracia substancial, mais solidariedade individual e interinstitucional).
· Muitas das medidas possíveis de combate à corrupção ultrapassam o âmbito de intervenção individual (ex. um sistema legal operacional e estável) e nacional (ex. fim dos paraísos fiscais e judiciários) e recomenda a própria modificação profunda das relações de produção (ex. superação da financiarização da economia)
· O combate è corrupção é um trabalho de todos. O facto de ultrapassar cada um dos decisores só pode ser a afirmação do imperativo de uma intervenção global, em que cada um é necessário.
Exige igualmente que se tenha em atenção os impactos sobre a corrupção que toda e qualquer medida, visando fins aparentemente alheios a esta problemática, podem ter sobre o processo da corrupção. Exemplo, uma "racionalização financeira" do espaço escolar pode reduzir a capacidade de formação cívica dos estudantes.
3. Todas estas considerações vêm a propósito do concurso "Imagens Contra a Corrupção" lançado pelo Conselho de Prevenção da Corrupção, que agora atingiu o fim do primeiro ciclo e cujos resultados podem ser vistos em http://www.youtube.com/user/ConcursoCPC/about .
Em relação a esta iniciativa queremos ainda louvar o facto de ser uma iniciativa voluntárias das escolas em resposta a um concurso aberto. Num país em que quase tudo é imperativo e de cima para baixo e em que se tem a capacidade inaudita de transformar boas vontades e iniciativas em processo formais sem conteúdo e aplicação efectivos (ex. planos contra a corrupção feitos "para cumprir o calendário") é de realçar percurso adoptado.
Esperamos que se saiba no futuro continuar esta dinâmica (ela só faz sentido se for para perdurar muitos anos, num crescendo de participação e qualidade), realizando um trabalho de proximidade com as escolas, permitindo uma maior diversidade de formas: imagem, poesia, conto, música, etc.).