José António Moreira, [types field="pub" class="" style=""][/types],
Seja ao nível da fraude académica, seja da corrupção, a ausência de efectivas sanções redunda num incentivo à propagação desses comportamentos associais
1. "De longe eu ficava te olhando; Mas você nem notou" (da letra de uma canção brasileira). Foi desse modo que o professor-vigilante se apercebeu dos movimentos nervosos da aluna lá no fundo da longa sala de exame, da sua reduzida concentração no processo de escrita, do frequente recurso à máquina de calcular mesmo em partes da prova em que não havia cálculos a efectuar. Quando teve a certeza da fraude avançou, lentamente. Chegou ao pé dela e apanhou-a a ler no ecrã da máquina de calcular as matérias cuja consulta não era permitida. Chamou o responsável da unidade curricular e expôs-lhe a situação. Este, nitidamente incomodado, mandou a aluna apagar as memórias da máquina e ameaçou-a de expulsão da sala de exame se reincidisse. Para o vigilante, disse em voz baixa: "Nem com copianço eles lá vão!", e voltou as costas. Aquele também voltou as costas à aluna, não sem antes ter percebido na face dela aquilo que lhe pareceu um leve sorriso trocista.
2. Há dias, os media, de um modo geral, referenciaram a divulgação de um relatório da OCDE sobre a corrupção em Portugal. Do respectivo conteúdo mereceu especial destaque o facto de "dos 249 arguidos condenados por corrupção no país entre 2007 e 2011, apenas 14 cumpriram [ou estão a cumprir] penas de prisão ?" ("Jornal de Negócios").
Tal como ironizou um cartunista, esses 14 tiveram "azar". A situação pode ser vista desse prisma: foram os que a sorte não bafejou com a incapacidade de reunião de provas em tempo útil por parte da autoridade judicial, ou com atropelos formais por esta cometidos; ou que não souberam rodear-se de prestigiados advogados que, pelo sábio uso de prazos, recursos e outras prerrogativas legais, os poderiam ter livrado do incómodo de conhecerem uma prisão por dentro.
Desde 1995 a Transparência Internacional publica um Índice de Percepção de Corrupção. Em 2010 Portugal ocupava a 32.a posição entre os 178 países tratados, correspondente a um dos países mais corruptos a nível europeu. Porém, se se tiver em consideração que 14 casos de prisão em cinco anos correspondem, em termos médios, a menos de três por ano, há algo que parece não estar a funcionar no controlo da corrupção: ou a posição do país no índice está errada, ou o sistema judicial não está a funcionar.
3. A aluna foi apanhada em flagrante delito. Foi admoestada com uma espécie de "pena suspensa", válida para o resto da prova. Que comportamento esperar dela no futuro face à "penalização" que sofreu? E para os seus colegas, que aprenderam, se ainda o não sabiam, que é possível prevaricar com quase total garantia de impunidade? E o vigilante, irá empenhar-se em fazer efectiva vigilância no futuro?
Seja ao nível da fraude académica, seja ao da corrupção, a não verificação de efectivas sanções acaba por redundar num incentivo à propagação desses comportamentos associais. Saliento "efectivas", pois as "penas suspensas" não estão a ser socialmente olhadas como sanções. Aliás, muitas vezes são usadas pelos condenados como uma espécie de "sinal de inocência" brandido perante a sociedade, e que esta parece aceitar como tal.
A eficácia da lei no desincentivo a comportamentos associais por parte dos cidadãos reside, quase totalmente, na percepção que cada um forma de que por cada crime cometido há uma sanção suficientemente gravosa que torna desinteressantes as vantagens que possam ser obtidas por via desses comportamentos. A não existir essa percepção, porque as sanções não existem, não interessa qual a dimensão dos meios que possam ser afectos ao combate ao crime. Este está, à partida, fora de controlo.