Óscar Afonso, Jornal de Notícias

 

A literatura económica revela que, desde os anos 80 do Séc. XX, se tem observado nos distintos países, incluindo Portugal: (i) aumento da desigualdade salarial a favor do trabalho qualificado e (ii) aumento da sua proporção. Essas trajectórias são concomitantes com o aumento do progresso tecnológico e do comércio internacional, que são também as explicações dominantes para (i), mas que, no entanto, são incapazes de per si acomodar o contexto de todos os países.

A primeira explicação considera que o aumento da oferta de trabalho qualificado acelera o progresso tecnológico para esses trabalhadores, que, assim, se tornam mais produtivos. Por isso, a sua procura supera a oferta, aumentando o respetivo salário. Mas, então, para os países desenvolvidos (abundantes em trabalho qualificado) as trocas comerciais com países em desenvolvimento (abundantes em trabalho não-qualificado) corresponderiam a uma expansão do mercado para o trabalho não-qualificado, pelo que o progresso tecnológico deveria favorecer esses trabalhadores, contrariando a observação (i).

A explicação assente no comércio internacional apela ao corolário de Stolper-Samuelson, segundo o qual o fator relativamente abundante no país é quem (mais) beneficia com as trocas comerciais, pelo que, nos países em desenvolvimento, os beneficiados seriam os trabalhadores não-qualificados, contrariando também a observação (i).

Ambas as explicações são dominadas pela dimensão do mercado de trabalho qualificado e não-qualificado. Porém, o progresso tecnológico é igualmente motivado pelo preço dos bens – bens caros proporcionam maiores lucros!

Para entender o que realmente se tem passado, desde os anos 80 do Séc. XX, há que juntar ambas as explicações. Quando países desenvolvidos exportam bens produzidos por trabalho qualificado beneficiam dos preços caros desses bens nos países em desenvolvimento. As oportunidades de lucro resultantes dos preços com comércio internacional direcionam o progresso tecnológico a favor do trabalho qualificado, beneficiando o respetivo salário relativo em ambos os tipos de países.

Há outros fatores que afetam a tendência da desigualdade salarial, como a política governamental, o peso da economia não registada, a fraude e a desregulação, mas que serão explorados numa próxima crónica.

Óscar Afonso – Presidente do OBEGEF – Observatório de Economia e Gestão de Fraude