António João Maia, Público

 

O Mação ardeu!”, será por certo a afirmação mais partilhada por estes dias entre os habitantes da vila e das diversas aldeias que fazem parte deste concelho do centro interior do nosso país.

E não serão só os habitantes de Mação que o fazem. Os dos concelhos vizinhos têm, infelizmente, razões para fazer afirmações no mesmo sentido relativamente às suas terras. É que este Verão, de uma forma inacreditavelmente metódica, tem vindo a arder uma vastíssima área contínua de pinhal do centro do país. O fogo fustigou também os concelhos de Abrantes, Ferreira do Zêzere, Figueiró dos Vinhos, Gavião, Nisa, Oleiros, Proença-a-Nova, Sardoal, Sertã e Vila de Rei, que ficaram com um triste rasto de cinza e com o agravamento das já de si complicadas condições de vida das populações.

E, o que é incomparavelmente pior, não pode deixar de se juntar a este cenário as vítimas mortais dos incêndios de junho, de Pedrógão Grande e Castanheira de Pêra.

Enfim, uma profunda e indescritível tristeza acompanhada, por certo, por enormes sentimentos de revolta e de indignação, sobretudo por parte das vítimas deste flagelo.

Centro esta reflexão no exemplo de Mação fundamentalmente por dois motivos. Um, mais afetivo, pelo facto de ser a terra dos meus pais. Outro, mais objetivo, porque até este Verão o município de Mação era apontado, em termos nacionais e até internacionais, como um exemplo de boas práticas a seguir relativamente aos cuidados na prevenção e na reação aos incêndios florestais.

De Mação guardo muitas e boas recordações de infância, particularmente das férias grandes de Verão e dos natais ali passados em família, na casa dos avós em redor da lareira. E sempre que, até agora, ali regressava, o simples ato de ao chegar abrir a porta do carro e inspirar profundamente o perfume natural do pinho era um exercício único para os sentidos. Era um verdadeiro luxo! Era, digo bem, uma vez que a possibilidade de repetir esse verdadeiro momento zen também ardeu com estes incêndios.

Quanto à estratégia preventiva sobre os incêndios florestais, que decorreu muito da experiência do grande fogo de 2003, e que foi desenhada pelo próprio município, ela compreendeu o seguinte: abertura de estradões, a rasgar as grandes superfícies de pinhal, para facilitar o acesso de bombeiros e seus veículos ao interior da mancha verde; instalação, em cada localidade, de kits fáceis de utilizar pela população, para uma rápida reação a ignições de fogo, no pressuposto de que qualquer incêndio começa com uma simples chama e que é potencialmente mais fácil controlar e extinguir essa chama ou pequeno foco de incêndio do que reagir depois de ela se alastrar pelos matos; e, finalmente, de dispor de maquinaria pesada, pronta a ser deslocada rapidamente para o local do incêndio, para proceder à abertura de asseiros de contenção do avanço do fogo.

Este modelo estratégico terá certamente permitido evitar o alastramento de muitos fogos ao longo dos últimos anos. Porém este Verão ele revelou-se incapaz de alcançar os seus propósitos. Os dois fogos que no espaço de dias varreram todo o território de Mação vinham já descontrolados de outros concelhos, vinham empurrados por ventos muito fortes.

Aliás, foi o próprio Vereador da Proteção Civil do município de Mação, António Louro, que verificou, no Expresso da Meia Noite da SIC Notícias de 30 de junho passado, que provavelmente a floresta de Mação seria palco de grandes incêndios num futuro próximo. Infelizmente a realidade demonstrou que não estava enganado. E fundamentou essa sua suspeição no facto de não existirem em Portugal políticas nem estratégias de gestão e ordenamento do território e da floresta que se possam dizer verdadeiramente de âmbito nacional. Haverá quando muito, como é caso de Mação, os meritórios exemplos dos municípios que se preocupam mais detalhadamente com o problema e que adotam estratégias de controlo e prevenção, e outros em que a questão seja equacionada com menos rigor.

Deste ponto de vista, a questão da prevenção dos incêndios florestais parece ser uma manta de retalhos, que se apresenta descontinua nos limites geográficos de cada município. E terá sido por força destas descontinuidades que o modelo preventivo de Mação foi incapaz de segurar o fogo. A progressão dos incêndios não conhece fronteiras territoriais nem administrativas. Nem pede licença para avançar. Muito simplesmente, se as condições forem favoráveis eles avançam.

A gestão e ordenamento do território nacional aos mais diversos níveis, incluindo a prevenção e a reação aos incêndios, adquirirá mais sentido e potencial de eficácia se for efetuada segundo uma perspetiva mais ampla, de dimensão nacional. Claro que a ação dos municípios, a par de outras entidades com funções neste âmbito, continuará a ser necessária e importante. Ela deve concretizar, para a especificidade de cada território, as linhas estratégicas estabelecidas no plano macro. Ela deverá ser uma espécie de perspetiva micro da gestão e do ordenamento do território.

Em Mação e nos demais municípios fustigados pelos fogos, os candidatos que forem eleitos no próximo dia 1 de outubro têm diante de si um grande desafio – porventura o maior de todos para os próximos 4 anos – que é o de (re)criar condições para o renascimento da vida nas suas vilas e aldeias. De fortalecer os pólos de desenvolvimento económico. De evitar que as pessoas desacreditem. De, qual Fénix, criar condições para fazer renascer a vida e a alegria de viver.

António Maia  – Vice-presidente do OBEGEF – Observatório de Economia e Gestão de Fraude