André Vieira Castro, Visão on line,

Convirá refletir um pouco sobre tantos e tantos pontos de fragilidade nos sistemas de controlo das empresas.

"Se soubésseis quanto custa a ignorância, acharíeis a educação barata"
Derek Bo, ex-Reitor da Universidade de Harvard

Se fizermos um pequeno exercício e questionarmos um grupo sobre o seu entendimento instintivo sobre fraude numa empresa, penso ser seguro prever que as respostas versarão, essencialmente, sobre as fraudes perpetradas pelos donos, isto é, a desnatação, a manipulação contabilística, a imputação de despesas pessoais e outras alvíssaras, e que conduzem a tantas insolvências.

Em termos de impacto no futuro a médio prazo das organizações parece certo que assim seja. Mas em frequência de eventos de fraude, os dados existentes apontam para um muito maior número de fraudes perpetradas por funcionários e quadros intermédios. Serão fraudes de impacto muito menor, em média, mas com uma frequência assustadora e de uma tal dispersão que obrigam a sistemas de controlo de largo espectro, e que raramente caberão numa estrutura de empresas como a nossa, caraterizada por micro e pequenas empresas.

Convirá refletir um pouco sobre tantos e tantos pontos de fragilidade nos sistemas de controlo das empresas, e no que sucede quando se cruzam estas oportunidades com as "pessoas certas"... aliás, esta última catalogação talvez seja até tema para noutro artigo discutir o perfil dos defraudadores, e perceber se, por exemplo, será tão diferente o comportamento padrão de um "Patrão" ou de um "Empregado" perante a oportunidade. Ou de um "Político" e um "Civil", se me permitem a divisão grosseira. Seremos todos ... "farinha do mesmo saco"? Ou será que há uma mera normal representatividade de pessoas mais e menos bem formadas nos diferentes grupos sociais/profissionais?

Tendo aprioristicamente a crer que essa distribuição é normal, e que todos os grupos são amostras relativamente significativas de um todo homogéneo. Ou será que nenhum de nós conhece "gente de bem" que trabalha por conta de outrem (em empresas, serviços públicos, associações...) e que...

a) Compra bens ou serviços a empresas nas quais ele tem um interesse oculto?

b) Vende bens ou serviços a empresas nas quais ele tem algum interesse oculto?

c) Adjudica/compra bens ou serviços em troca de um suborno, isto é, recebendo em troca da compra dinheiro, viagens, emprego futuro para si ou presente para uma sobrinha?

d) Manipula concursos ainda nos cadernos de encargos para que o vencedor seja o que lhe interessa?

e) Rouba dinheiro do caixa? (sim, às vezes tem o cuidado de lá deixar um vale...)

f) Retira dinheiro do depósito que iria supostamente para o Banco?

g) Submete uma fatura de despesa pessoal como de trabalho?

h) Recebe cheques de clientes e endossa-os para si próprio?

i) Cria uma empresa de fachada apenas para faturar bens ou serviços inexistentes à empresa onde tem poderes de validação de faturas?

j) Facilita o registo de horas extraordinárias a si ou a membros da sua equipa?

k) Submete comissões indevidas aos recursos humanos para pagamento?

l) Cria um empregado fantasma e liquida-lhe vencimento mensalmente, sendo que o beneficiário último desse processamento é ele próprio?

m)  Falsifica o registo de remunerações para inflacionar o seu pecúlio?

n)  Altera a descrição de uma despesa a submeter para parecer profissional?

o) Pede para lhe inflacionarem uma despesa de representação (e.g. refeições) para ser reembolsado desse valor superior ao real?

p) Falsifica assinaturas ou beneficiário de um cheque da empresa de forma a que fique disponível para ele?

q) Falsifica o NIB de um fornecedor de forma a que os pagamentos feitos a este lhe sejam creditados?

r) Emite Notas de Crédito ou anulações de vendas sem as mesmas terem acontecido de forma a ficar com o pagamento do cliente?

s) Rouba itens do inventário? Mercadorias? Ferramentas?

t) Utiliza bens da empresa em seu benefício? Computador? Viaturas? Telemóvel?

u) Simula inutilização dos bens da empresa que lhe foram atribuídos para serem substituídos e poder ficar com o anterior?

v) ....

Estes são alguns exemplos. Alguns. A mente humana é extraordinariamente capaz de diariamente fazer crescer esta lista. São exemplos de comportamentos fraudulentos que acontecem ao serviço de uma empresa.

Se a estas fraudes aqui listadas, e que compreendem Corrupção e Apropriação Indevida de Ativos, juntarmos um conjunto também alargado denominado de Declarações Financeiras (neste artigo deixaremos de fora este conjunto de diatribes relacionados com o registo contabilístico e fiscal dos movimentos da empresa), temos o que se denominou como a ÁRVORE DA FRAUDE OCUPACIONAL.

Se pensarmos nos itens listados acima, e se pensarmos nos mesmos aplicados à nossa organização ou outras que conheçamos bem, veremos como ela rapidamente se pode transformar na ÁRVORE DAS PATACAS!

É fácil perceber que muitas destas fraudes são totalmente acessíveis a colaboradores com muito pouco poder formal nas organizações. E é desta dispersão de fraudes e de potenciais defraudadores que vem a complexidade e por vezes impossibilidade de criar e manter sistemas de controlo. Até porque, mesmo nas organizações onde existem os mais complexos sistemas implementados, é das dicas ou denúncias que surgem a maior parte das pistas que permitem estancar estas situações.

E por serem tão transversais dentro da organização, permite-nos também concluir que talvez não haja um padrão comportamental tão desviante por parte dos empresários. Talvez haja nestes um grupo de pessoas que não consiga já distinguir o certo do errado. Fruto da pressão, fruto da educação. Mas, será mais representado este grupo nos empresários do que nos colaboradores? Duvido... Uns e outros enfermam de uma cultura de incumprimento e de oportunismo.

Haverá, em conclusão, um mar de oportunidades para a fraude numa empresa. A pressão é imensa, para uns e para outros. Nas oportunidades, poder-se-á trabalhar na melhoria da eficácia dos sistemas de controlo, na segregação de funções. Na pressão, pouco poderá cada um de nós fazer, até porque nem sempre esta se reveste meramente de necessidade de dinheiro (estatuto, autoestima, ....). O outro vértice deste que é conhecido como o Triângulo da Fraude é o da Racionalização/Justificação.

Neste vértice entra o problema educacional. Cultural. Com a repressão pode-se combater. Com a educação, resolver. O nosso sistema de valores, que a todos é relativamente comum, foi-se desviando, fomos fazendo concessões e progressivamente fomos construindo uma narrativa (perdoem-me utilizar este tão atual termo socrático) que nos permite neutralizar quaisquer segundos pensamentos sobre as "pequenas" fraudes que vamos cometendo. O "vamos" aqui é abusivo, vão os nossos amigos e conhecidos, que não conseguem ter uma tão clara noção de onde começa e acaba a propriedade de cada um, o direito de cada um.

Há uns anos fiz uma viagem de carro europa fora. Chegado à Suíça, onde fui recebido em casa de uns amigos (suíços), recordo-me do espanto deles ao verem-me chegar com a minha mulher numa viatura de 2 lugares. O típico "desportivo português". Era de 2 lugares, mas era uma viatura comercial mista. "Mas essa viatura não é da empresa?!". Claro que sim, mas eu é que paguei o combustível, ok?! E assim ficamos. Eu convencidíssimo que lhes tinha dado uma lição de cumprimento laboral e fiscal. E eles certos de que presenciavam uma utilização abusiva de um ativo que não me pertencia. A minha fronteira não era a fronteira deles.

E assim vai o mundo...