Oscar Afonso, [types field="pub" class="" style=""][/types],

Começo a duvidar da governabilidade de um país que não soube aproveitar as especiarias do Oriente, o ouro do Brasil e os fundos comunitários.

Como sabemos, governos incompetentes conduziram o país à falência e, assim, à dependência de empréstimos da troika. Por sua vez, a troika condiciona esses empréstimos ao cumprimento de limites anuais para o défice, havendo que implementar medidas que aumentem a receita e/ou diminuam a despesa.

No início do processo, o controlo do défice passou essencialmente pelo aumento da carga fiscal (receita) e as críticas não se fizeram esperar, porque o controlo do défice devia ser feito com cortes na despesa. O estranho é que as críticas vinham sobretudo do partido mais ligado ao estado de falência.

Como, na sequência da diminuição da actividade económica, a carga fiscal adicional não gerou o aumento esperado da receita, numa fase seguinte a estratégia passou por considerar também cortes na despesa. Mas, estranhamente, quem inicialmente (aparentemente) defendia esta via e estava associado ao estado de falência, passou a considerar esses cortes como intoleráveis.

O problema português parece pois estar na qualidade das instituições. Mais do que a permanente reforma do estado e o bem comum no curto-médio-longo prazo, o que interessa é gerir índices de popularidade e chegar ao poder o mais rapidamente possível. Confesso que começo a duvidar da governabilidade de um país que não soube aproveitar as especiarias do Oriente, o ouro do Brasil e os fundos comunitários.

Como, no curto prazo, o aumento da carga fiscal e os cortes na despesa são incompatíveis com bons índices de popularidade e, no longo prazo, a carga fiscal e a despesa existentes são incompatíveis com a sobrevivência do país, coloca-se então a questão: quais as alternativas possíveis?

Sem alteração do contexto actual, podemos identificar três alternativas possíveis. Uma consiste em assumir, desde já, a perda de independência e passar a viver para sempre à custa da troika, seguindo o cumprimento de medidas impostas. Outra consiste em entregar de novo o poder a quem gerou a desgraça e aparentemente defende (de novo) o esbanjamento, e esperar mais algum tempo até que definitivamente se perca a independência. A terceira passa por um governo de iniciativa presidencial, composto por (inexistentes) individualidades geniais capazes de resolver todos os problemas de um dia para o outro.

Com alteração do contexto actual, é possível conceber uma alternativa capaz de aumentar os recursos existentes e, assim, gerar uma sociedade mais justa e democrática, via combate definitivo à fraude e evasão fiscais. Para o efeito, é prioritário combater o branqueamento de capitais, o uso de informação privilegiada, a desregulação, o enfraquecimento do estado, as manipulações contabilísticas, os relatórios fraudulentos de empresas e a existência de empresas fantasma. Deverá ainda ser incentivado o uso de meios electrónicos nas transacções de mercado, ser exigida maior transparência na gestão dos recursos públicos, apostar na educação da sociedade civil sobre os efeitos perversos da economia paralela, e exigir-se uma justiça mais rápida e eficaz; em particular, a implementação do crime de enriquecimento ilícito é urgente. No seio da União Europeia há que, pelo menos, implementar mecanismos de troca de informações em matéria fiscal, promover a harmonização fiscal, evitando o planeamento fiscal agressivo, e estabelecer medidas contra paraísos fiscais.

Sendo fácil identificar esta última alternativa como a melhor, é estranho que sejam apenas discutidas as que conduzirão ao abismo. Ou será Portugal um país ingovernável?