José António Moreira, Jornal i,

O final é conhecido: quem aderiu primeiro até ganhou dinheiro; quem chegou depois ?paga parte da factura?; os últimos perdem tudo.

Li a notícia. Distraidamente. Passei ao lado dos detalhes. Mas deu para perceber. Um esquema piramidal - do tipo Ponzi -, com os ingredientes necessários para que mesmo a pessoa mais distraída possa intuir a fraude.

Tudo se passa no recato da internet. O candidato entra na pirâmide "investindo" cerca de dois mil euros (pode comprar tantas entradas quantas desejar). A partir daí, é "só" facturar. Semanalmente, é remunerado por inserir um anúncio gratuito num determinado sítio da net. Pequena remuneração, face ao montante do investimento; remuneração extravagante face à simplicidade da tarefa efectuada. Facturação mais choruda ocorre quando o "investidor" alicia novos "investidores" a entrar. Uma parte muito substancial do montante por estes pago reverte directamente para o angariador. O processo emperra quando o número de novas entradas se reduz. Não há fundos para remunerar os "investidores". O final é conhecido: quem aderiu primeiro até ganhou dinheiro; quem chegou depois "paga parte da factura"; os últimos perdem tudo.

Lembro-me de ter pensado "como é possível que um esquema repetido milhares de vezes, apenas diferente nos matizes da história proposta, ainda faça cair pessoas no 'conto do vigário'?".

A ganância. A primeira proposta de resposta que me veio à mente. A ganância que obtura a visão, que tolda o discernimento, que apenas permite ver a possibilidade de se ser rico, rapidamente, sem esforço. A ganância, que ninguém assume possuir. Mas, em maior ou menor grau, tende a estar presente na natureza humana. "Não fosse a ganância do padeiro e haveria dias em que, pela manhã, não haveria pão fresco", nas palavras de um prémio Nobel da Economia.

A resposta não me satisfez. "A perspectiva de ser defraudado não se sobreporia à ganância?", questionei-me. Talvez. Talvez haja algo mais que ganância. Talvez seja a impossibilidade de aprender com os erros passados. E de aprender com os erros cometidos pelos outros. "Da próxima vez vai ser diferente" ou "Eu sou diferente e a mim isso não acontecerá". Talvez esta impossibilidade seja uma das explicações. Lembrei-me da intensa actividade política das últimas semanas, meses, anos. "Se votarem em mim, não há aumento de impostos!" E a primeira coisa que fez o eleito foi aumentar os impostos. E da próxima vez, quando o mote "não subirei os impostos" for outra vez glosado, volta-se a acreditar, vota--se para que os problemas se resolvam sem dor, sem sacrifício. "Vamos resolver o problema do défice cortando nas gorduras." Continua-se a acreditar. Para que não haja dor nem se corte a "febra", vota-se nisso. Vai a carne toda, vão os ossos, a gordura continua instalada. "A solução está no crescimento!" Acredita-se na poção milagrosa, acriticamente. Vai resolver o problema, todos os problemas. Vota-se nisso. Sem saber como se vai crescer. Como se o crescimento se definisse por decreto.

Se se acredita nos políticos, se de cada vez se pensa que desta será diferente, como não acreditar que se pode ficar rico, de repente, sem esforço, apenas por via de um "investimento" que um "amigo" aconselha?

Cresci em ambiente rural. Era corrente dizer-se que "quando a esmola é grande, o pobre desconfia". Agora, aparentemente, ninguém desconfia do tamanho da esmola. Talvez porque não somos pobres. Talvez porque o que queremos é garantia de que é sem dor, sem esforço. Aí estamos. Prontos a alinhar. Por via do voto que concedemos. Por via das poupanças que "investimos".