José António Moreira, Visão on line
Um sistema de pensões como o que vigora em Portugal, baseado na redistribuição, tem traços comuns a um esquema de fraude piramidal, também dito de Ponzi. O que o distingue de um (verdadeiro) esquema fraudulento é a existência de um interveniente especial - o Estado - que por via das contribuições financeiras que faz para o sistema, ou pela alteração das suas regras de funcionamento, nomeadamente do montante das pensões a pagar, procura assegurar a solvabilidade do mesmo no tempo.
Quando, como agora, o número de novos contribuintes do sistema se reduz, ou o Estado não tem condições financeiras para injetar os montantes necessários a manter estáveis as pensões, ou não é possível levar a que os atuais contribuintes descontem mais, a única medida que é passível de manter o sistema solvável é a redução dos montantes das pensões a pagar aos atuais pensionistas e, por arrastamento, aos que o hão-de ser no futuro. É o que tem vindo a acontecer ao longo da última década, mais ou menos encapotadamente, por via de sucessivas reformas do sistema de segurança social (globalmente considerado).
Nas últimas semanas muito se tem falado sobre pensões. A possibilidade do Governo impor um corte específico nalgumas delas foi mote para todo o tipo de comentários (onde se inclui o presente texto). Que se trata de um "retrocesso civilizacional"; que é uma "quebra de compromisso"; que é uma "linha que não se pode ultrapassar"; que é um atropelo à Constituição; que é atentar contra "direitos adquiridos"; que atenta contra a "dignidade dos pensionistas" ... enfim, que é uma enormidade de coisas.
De cada vez que leio mais um destas análises - muitas delas por comentadores que aparentam estar reformados e receberem uma pensão (análise em causa própria) - eu, na qualidade de funcionário público (fica a minha declaração de interesses), não posso deixar de me perguntar: quando cortaram o rendimento dos funcionários públicos, que para salários de média dimensão e superiores se aproximou dos 25% (os dois subsídios incluídos), o ato em si não foi do mesmo teor? Será que foi um "avanço civilizacional"? Não foi a quebra de um compromisso? Onde estavam estes senhores e senhoras que agora se indignam e na altura assobiaram para o lado como se o descalabro das contas públicas fosse responsabilidade única desses trabalhadores? Onde estava escondida a indignação que agora é despejada a rodos nos meios de comunicação social? Onde estavam os políticos que agora se regem por princípios e traçam linhas vermelhas que separam o bem do mal?
Muitos dos mais indignados, daqueles que mais sonantes títulos de primeira página geram a propósito deste assunto, são (foram) os mais acérrimos defensores de um sistema de pensões de natureza redistributiva. Deviam lembrar-se, pois, pelo menos no presente, que um sistema desta natureza - por oposição a um sistema de capitalização - implica, como o próprio nome indica, redistribuir ... e só se pode redistribuir o que existe.
Nos atuais moldes o sistema de pensões não é sustentável. Empurrar o problema para o futuro não é solução, pois então o sistema deixa de ter traços de um esquema de Ponzi para se tornar num efetivo esquema desta natureza. Mas também não é solução fazer os funcionários públicos pagar uma fatura que é de todos. Por muito que custe, e custa, os sacrifícios têm de ser repartidos por todos - pensionistas ou não. Salvaguarde-se, sempre, a situação dos cidadãos e famílias de mais baixos rendimentos.