José Pinho & Nuno Moreira, Visão on line,

No Natal, fazem-se os trabalhos de finalização do ano civil, arruma-se a casa e na saída, recolhem-se as "lembranças" que, por amabilidade, os nossos fornecedores nos deixaram....será que foi o Pai Natal? 

Durante o ano, se estivermos atentos, constatamos que o Pai Natal lá vai aparecendo de vez em quando, para que nunca o esqueçam; continuando a presentear quem merece e se porta bem!

O melhor de ser corruptor ou corrompido é o facto de, muitas vezes, a situação passar "despercebida", sendo que esta conduta, não leva a interiorizar qualquer tipo de peso na consciência. A nossa "bússola" moral está culturalmente calibrada para nos orientar por caminhos em que esta realidade é aceite como uma situação, tão normal, que rejeitar uma "prenda" de um fornecedor ou cliente da empresa, poderá mesmo ser uma ofensa para com ele.

Na árvore da fraude, as gratificações ilegais estão enquadradas no âmbito da corrupção, assemelhando-se aos esquemas de suborno, exceto pelo facto de que algo de valor é dado como recompensa por uma determinada decisão. Interessa sempre quantificar a materialidade do valor dado. Uma coisa é receber uma caneta com o logótipo do fornecedor ou uma garrafa de vinho de um valor reduzido, outra é receber uma caneta "Mont Blanc" ou uma caixa de garrafas "Vintage".

No entanto, as organizações da nossa sociedade aceitam esta situação como perfeitamente normal. Aliás, muitas vezes o exemplo vem "de cima", interpretando a lógica do tone at the top da pior maneira.

Obviamente que, seguindo o exemplo da gestão de topo, "se eles fazem, é porque não há problema, eu também poderei fazer", o funcionário justifica-se a si mesmo de forma a tranquilizar a sua conduta moral, para se sentir bem consigo próprio, contribuindo para a perpetuação deste tipo de comportamento, o qual poderá lesar os interesses da empresa, sem nunca vir a saber-se qual a perda efetiva para a organização.

Outra situação recorrente é a predileção por determinados fornecedores em detrimento de outros, os quais, muitas vezes, apresentam produtos e condições negociais mais favoráveis. Uma situação que leva os "eleitos", entre outros, a prestar por exemplo serviços gratuitos na casa particular do elemento que adjudicou esses serviços na sua empresa. Inicialmente, tido apenas como um favor, mas, futuramente, definindo uma tónica de trabalho, recorrente.

Neste caso a empresa poderá ser prejudicada pois estará a pagar para um serviço que poderá ou não ser o que melhor serve os seus interesses, mas certamente servirá muito bem os interesses do fornecedor e do funcionário que contratou os seus serviços, por conta da empresa.

Como o podemos prevenir?

Alguns mecanismos podem ser criados, os quais têm como objectivo calibrar adequadamente a já referida "bússola moral" da organização, pelo desenvolvimento (gestão de topo) de linhas de orientação éticas e criação de regras que mitiguem os riscos deste tipo de favorecimentos, nomeadamente, entre outros possíveis:

  • A elaboração e tomada de conhecimento por todos os funcionários de um Código de Ética /Conduta da empresa;
  • Criação de um sistema de seleção e avaliação de fornecedores;
  • Segregação de funções na contratação de serviços externos;
  • Proibição ou limitação de aceitação de gratificações, etc.

Fazendo algum benchmarking acerca deste fenómenouma interessante "arma" frequentemente usada no outro lado do oceano atlântico é o denominado teste da perceção (Sniff Test). Este coloca uma questão: "Qual seria o impacto ou imagem se a situação referida fosse tornada publica, divulgada num jornal ou nas redes sociais?". " Será que eu ficaria confortável com esta situação?". "O que esta noticia faria à imagem da empresa?"

A força do teste de perceção é o facto de estar simultaneamente focado em nós, numa situação concreta, e na própria sociedade. Auscultando um determinado público, a sociedade, dá-nos a sua perceção a respeito, em especial, acerca da "matriz" ética da situação visada.

Minimiza o risco de tomarmos atitudes ou decisões que nos tragam vantagens especiais para nós mesmos. Reconhece que a moralidade tem os seus alicerces quer na nossa própria perceção quer na perceção dos outros. Associa muitas vezes à situação em avaliação uma emoção de vergonha, um driver poderoso na mitigação de comportamentos menos éticos.

Obviamente, este tipo de teste é tão melhor quanto mais robusta for a cultura da sociedade onde vivemos. Devem ser tidos em consideração a aceitação e perpetuação de determinados comportamentos e situações eticamente dúbias pois, uma vez enraizados na cultura, também de uma empresa /organização, fica mais difícil identificá-los e erradicá-los.

Tudo isto e, seguramente, muito mais para saber "coabitar" com um Pai Natal sempre à espreita e presente!