João Pedro Martins, Jornal i,
A Zona Franca da Madeira tem uma sala de 50 metros quadrados que abriga as empresas-fantasma de vários jogadores que actuam no campeonato espanhol, incluindo Xabi Alonso (Real Madrid), Javier Mascherano e Adriano Correia (Barcelona). O objectivo é apenas um – fugir aos impostos de forma legal.
Neste pequeno ninho de corrupção fiscal generalizou-se a prática de negócios jurídicos artificiais, em que deliberadamente se violam as cláusulas antiabuso previstas no n.o 2 do artigo 38.o da Lei Geral Tributária. Rafa Benitez, treinador do Chelsea, é um pirata e terrorista fiscal que passou pelo bordel tributário da Madeira mais de um milhão de euros sem pagar um cêntimo de impostos.
A indústria offshore alimenta-se do futebol. Os fundos de investimento em jogadores constituem um buraco negro fiscal que permite que dirigentes desportivos e agentes FIFA ocultem a identidade e recebam rendimentos livres de impostos nas Ilhas Virgens Britânicas ou em Caimão.
No futebol a justiça não funciona. Mesmo depois de o Ministério Público ter acusado o director regional dos Assuntos Fiscais no âmbito de um processo que alegadamente envolve crimes de fraude fiscal praticados por dirigentes do Nacional da Madeira, os contribuintes são os únicos condenados a pagar impostos. Os contratos paralelos banalizaram-se e já ninguém questiona a legalidade ou a moralidade que permite uma poupança fiscal, mesmo que a receita dos impostos não pagos deixe de financiar escolas, hospitais, estradas e os próprios contribuintes.
Pode-se corromper árbitros. Manipular resultados. Descer de divisão e voltar a subir pela via administrativa. Revogar acórdãos alegando a prescrição. Isentar taxas e atribuir subsídios. O futebol é um mundo à parte, onde a clubite de políticos e empresários se empoleira em regras próprias e práticas obscuras e exclusivas do universo da bola, que cegam os adeptos e adulteram a transparência e a verdade.
Todos devem e ninguém paga. Construíram-se estádios que se transformaram em elefantes brancos de betão, enquanto continuamos a ter hospitais públicos que espelham a política social de um país pobre e moralmente miserável.
No desporto rei ninguém vai preso. Há muita gente a ganhar e a lavar dinheiro na indústria do futebol. Na realidade, o jogo continua a ser a solitária onde se libertam os que estão agrilhoados pelas políticas de austeridade. É uma droga colectiva que nos torna dependentes da clandestinidade da consciência.
O que conta é a festa no dia do jogo. Poucos se importam com a idoneidade dos dirigentes, as obrigações fiscais dos clubes e os negócios milionários que se fazem às claras e na sombra, sem que as entidades fiscalizadoras se levantem do banco e entrem em campo.
Enquanto a bola continuar a entrar na baliza ou a bater na trave, todos gritam que se lixe a troika, o governo, a oposição, o desemprego e o futuro.
A bola continua a ser redonda, mas a nossa vida é cada vez mais quadrada. O futebol é uma fraude. E enquanto não criminalizarmos os infractores, vamos continuar a ser admoestados pelo cartão amarelo da austeridade até que um dia nos expulsem dos nossos empregos, das nossas casas, da nossa família e do nosso país.
Nessa altura, vamos voltar a jogar na rua com uma bola de trapos.