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Do lado da problemática ética, que tal promiscuidade ergue, encontramos uma aliança entre atores económicos e políticos

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Vive-se hoje um fenómeno transnacional, de dominação da governação pública, pelo sistema económico. Ligações estreitas e de cumplicidade toldam, amiúde, a absolutamente necessária isenção de atuação da Administração Pública. Assim se preconiza no Relatório LaRosière, de 25 de fevereiro de 2009, que avalia o “estado da arte” da supervisão financeira na Europa pré-crise financeira de 2008, e que expõe as enormes vulnerabilidades dos sistemas de supervisão, mas também a “fatal attraction” entre os intervenientes no sistema financeiro e económico e os agentes políticos.

Do lado da problemática ética, que tal promiscuidade ergue, encontramos uma aliança entre atores económicos e políticos, compreensível num cenário em que os resultados dos negócios dependem das políticas públicas, subsumível a uma verdadeira “pantouflage”, i.e., o exercício de funções públicas como catalisador para o exercício profissional em empresas privadas - uma verdadeira nascente do conflito de interesses, dissolúvel da representatividade. A lógica está perfeitamente invertida: os melhores profissionais, fruto da sua experiência, podem ser úteis à vida pública, já o contrário...

Encontramos desinteresse político generalizado na tentativa de colmatar este fenómeno. O dedo é apontado na quarta avaliação levada a cabo pelo GRECO (Grupo de Estados Contra a Corrupção), em 2015, cujo relatório foi publicado em fevereiro de 2016, o qual tece críticas duras ao quadro legislativo português, classificando de “política ambígua”, por exemplo, a concernente ao recebimento de dádivas. Mas já antes disso, em 2014, o TIAC (Transparência e Integridade, Associação Cívica) publicou um relatório - “Lifting the lid on lobbying. The influence market in Portugal” (TIAC 2014), que patenteia desassombradamente as mesclas perniciosas entre os dois setores.

Do elenco das patologias de governação, recuperamos uma que resulta do pacote anticorrupção aprovado parlamentarmente em 2010 e por estes dias, clamada. Trata-se do crime previsto no artigo 372º do Código Penal, e no artigo 16º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (Crimes da responsabilidade de titulares de cargos políticos), sob a epígrafe “Recebimento indevido de vantagem”. Este crime específico próprio (de quem detém a qualidade de funcionário público, na aceção do artigo 386º do Código Penal) peca desde logo na formulação do nomem iuris, visto existir consumação do crime não só pelo recebimento, pelo funcionário, de vantagem, mas também sempre que aquele aceite oferta ou promessa de oferta, da mesma.

Contudo, acompanhando a mais proeminente doutrina, para que se verifique este tipo de crime, necessário será apurar se ocorreu qualquer ação mercadeja com o cargo, apta a criar um clima de simpatia ou permeabilidade, favoráveis à pretensão do agente. Considerando o bem jurídico que esta norma visa proteger - a autonomia intencional dos agentes que desempenhem funções em esferas de atuação pública – sempre se dirá, que a punição por este crime, apenas ocorrerá, se podermos formalmente provar a pretensão, de introduzir uma indevida influência na decisão do “funcionário”, ou o aproveitamento por este do cargo para obtenção de vantagem (patrimonial ou não patrimonial) indevida. Tal não se revelará, nas instâncias próprias, tarefa simples.

Para além do mais, atente-se ainda na causa de exclusão do tipo, contida no nº 3 do referido artigo: “Excluem-se dos números anteriores as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes” – inexistindo (obviamente) fórmula inequívoca do que se deve considerar socialmente adequado ou conforme aos usos e costumes, não será possível ao julgador olvidar o enquadramento social de gestos que, porque disseminados e enraizados, se encontram desvirtuados de influência corruptiva. Como defendeu Welzel, jurista e filósofo alemão, defensor da teoria finalista da ação em direito penal, na década de 30: “deixam-se excluir do conceito de ilícito, as condutas que se movem dentro dos quadros de valoração social, historicamente desenvolvidos, de uma comunidade”.

Por tudo isto, a criação de um sistema punitivo adequado demonstra-se fundamental à sobrevivência da própria estrutura de governação pública.