Pedro Moura, Jornal i online
O Rendimento Básico Incondicional (RBI) é uma ideia inovadora de organização social e económica, em que cada pessoa recebe periodicamente (mensalmente) um rendimento assegurado, sem nenhuma condição associada
Hoje escrevo sobre o Rendimento Básico Incondicional. Para aqueles que conhecem e acham que é uma ideia imbecil, por exemplo por julgarem que não é possível ser paga, ou por acharem que conduziria a uma sociedade de parasitas imprestáveis, peço-vos um pouco de paciência para lerem este texto até ao fim.
Um dos maiores receios de qualquer pessoa é ficar sem fontes de rendimento. A progressiva tendência para a redução da necessidade de população empregada devido a fatores como o progresso tecnológico e a deslocalização do trabalho, aliada ao aumento da desigualdade na distribuição de rendimentos e capital entre as várias camadas população criam condições para um futuro cada vez mais inseguro do ponto de vista económico para os indivíduos e as famílias. Por muita esperança que se tenha de que o futuro se venha a revelar mais risonho, para muitas pessoas essa não é (nem será) a realidade. Há que olhar para as coisas de frente, não com otimismos de conveniência.
Empregos mais precários, mais desumanos, com ordenados cada vez mais miseráveis e sem nenhuma possibilidade de melhoria ou evolução será o destino de uma fatia cada vez maior daqueles que, pelo menos, os conseguirem ter. Os restantes continuarão as vaguear entre rendimentos mínimos garantidos, pensões de sobrevivência, subsídios de desemprego versões x, y e z, num viver que de dignidade terá muito pouco. Naturalmente que aqueles que tiverem maior acesso a instrução, capital e oportunidades não passarão por nada disto. Mas o fosso entre os que apanham o comboio das vantagens do futuro, e os que terão de ficar para trás a construir esse mesmo comboio prevê-se venha a aumentar.
Há uma responsabilidade coletiva de prevenir o destino negro que narro acima. Na nossa sociedade, no nosso mundo, todos deveriam ter um mínimo de dignidade assegurado à partida. Senão, de que vale todo o nosso esforço individual e coletivo, com que moral nos auto-denominaremos de ‘Humanidade'?
O Rendimento Básico Incondicional (RBI) é uma ideia inovadora de organização social e económica, em que cada pessoa recebe periodicamente (mensalmente) um rendimento assegurado, sem nenhuma condição associada. Sumariamente, se uma pessoa existe, essa pessoa tem um rendimento mínimo garantido, que é suposto garantir-lhe a sobrevivência. O valor deste rendimento (em minha opinião) deverá coincidir com a linha de pobreza (cerca de €422 em Portugal em Portugal – de acordo com dados do INE).
Esta ideia, embora progressista no seu alcance, assenta nas ideias antigas de redistribuição da riqueza existente para diminuição das assimetrias sociais tendente ao proporcionar de um mínimo de dignidade humana, e que potencie o valor, as oportunidades e a felicidade de cada um e da sociedade em geral.
Há vários argumentos a favor e contra esta ideia. Passo a enunciar brevemente alguns, para estimular a reflexão do leitor sobre o tema. Para uma discussão mais alargada, consultar o artigo What are the benefits and drawbacks of basic income guarantee? ou Rendimento Básico, o que é? .
1. A introdução do RBI substituiria (terminaria) com grande parte dos subsídios e pensões da Segurança Social de cariz mais assistencialista (tais como o Rendimento Mínimo Garantido, Subsídio de Desemprego e outro tipo de pensões), reduzindo-se imensamente a enorme máquina administrativa e burocrática estatal associada, bem como os respetivos custos.
2. Há quem advogue que o RBI levaria as pessoas a não fazerem nada. Em muitos casos tal poderia acontecer (como já acontece com outros subsídios), mas evidências (ver artigo Pennies from heaven em ) de uma série de experiências RBI conduzidas em vários locais do mundo apontam para o contrário: a população com mais dificuldades utiliza este rendimento para melhorar as suas condições de vida e (surpresa!) criarem os seus próprios negócios.
3. O RBI acabaria definitivamente com a pobreza persistente e sistémica, e contribuiria para a diminuição da desigualdade na distribuição de rendimentos.
4. Quanto às camadas de população com maiores qualificações e acesso a emprego decentes, alguém pode seriamente achar que iriam realmente sujeitar-se a viverem com um rendimento per capita de €422 por mês?
Naturalmente continuariam a procurar sempre melhores condições de vida, eventualmente sentido que podem arriscar mais devido ao efeito ‘rede de segurança’ que o RBI proporcionaria. O RBI não tem por objetivo matar a ambição pessoal ou empresarial, e muito menos o sistema de mercado livre capitalista.
5. Alguns autores mostram receios relacionados com imigração, devido a um possível aumento de fluxos de imigrantes que visassem usufruir do RBI em Portugal.
6. Provavelmente a questão mais premente: como se arranjaria dinheiro para pagar um RBI a toda população? Partindo de um valor de €422 por mês para a população com mais de 15 anos, e metade deste valor (€211) para os mais novos, a estimativa anual para Portugal andaria à volta dos 49 mil milhões de euros. Mas olhando para a tabela abaixo rapidamente se compreende que a diferença entre o custo (nacional) atual e o custo com o RBI, para a totalidade dos vários segmentos da população, está abaixo dos 5 mil milhões de euros por ano. Ou seja, relativamente a hoje a implementação do RBI em Portugal necessitaria de mais 5 mil milhões de euros (cerca de 2,71% do PIB atual, ou o apoio a um banco em dificuldades, como a CGD...) (*6)
A não esquecer também que há muito trabalho realizado que não é remunerado (paternidade/maternidade, cuidados familiares, voluntariado, entre outros), que é absolutamente essencial a nível pessoal e para o tecido familiar e social. O RBI valoriza implicitamente este tipo de trabalho. Esperar-se-ia, por exemplo, um possível aumento de nascimentos e de capacidade de prestação de cuidados a familiares idosos.
O RBI traria maior liberdade em geral, diminuindo o condicionamento social e pessoal baseado no medo do desaparecimento de rendimentos, teoricamente promovendo a existência de mais tempo, disponibilidade, qualidade de vida e felicidade (reforço, teoricamente!), possivelmente até interrompendo a tendência para o consumo crescente de anti-depressivos.
Embora eu seja um partidário do RBI, não é intuito deste artigo fazer uma defesa intransigente. Antes pretendo trazer para cima da mesa um tema premente e atual, que merece ser conhecido e debatido enquanto a mudança de paradigma que realmente é.
O mundo está a mudar profunda e rapidamente, e infelizmente os líderes atuais da nossa sociedade parecem mais focados no curto prazo e na chicana diária que no futuro. Não lhes sigam o exemplo: concordem ou não concordem com o RBI, o meu repto é para que o debatam. Afinal, é o nosso futuro. O que queremos que ele seja?
Referências:
(*2) http://www.seg-social.pt/estatisticas
(6*) Note-se que as pessoas que aufiram atualmente um rendimento (salário / pensão / subsídio) abaixo do valor do RBI passariam a receber o valor do RBI, e aqueles que aufiram um rendimento superior ao valor do RBI continuariam a receber o mesmo (ou mais, caso fossem aumentados).