António João Maia, OBEGEF

Independentemente dos factos concretos que sejam praticados, no essencial a corrupção traduz uma atitude egoísta daqueles que a praticam

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Público e privado são, se assim se pode assumir, dois universos entre os quais repartimos os nossos interesses e até, em certo sentido, as nossas vidas.

A abordagem a estes universos, como os caraterizo, é ampla. Por isso, qualquer reflexão que acerca deles se faça tende naturalmente a apresentar-se com limitações. Assumimos por isso que as breves linhas que aqui deixamos acerca desta problemática sejam também assim muito limitadas.

Ainda assim e para o âmbito que queremos focar, importa considerar que o universo do público traduz, de modo muito simplista, uma noção que inclui os valores e os interesses que são assumidamente partilhados e que, de forma mais ou menos direta, afetam todas as pessoas de uma sociedade. Falamos essencialmente de interesses e valores em que todos se revêem, e que, nessa medida, são (ou devem ser) assegurados, respeitados e salvaguardados pelos cidadãos e pela sociedade no seu todo.

Por outro lado e a um outro nível, a noção de privado inclui os interesses e o quadro de valores de cada pessoa ou de determinados grupos de pessoas. Por isso podemos falar em interesses privados ou de grupo.

E estes dois universos não são, nem têm de ser, opostos ou antagónicos entre si. Em regra, aliás, eles coexistem sem conflituar, o que de facto sucede sempre que os interesses privados são coincidentes com os interesses públicos. Todavia, como sabemos, por vezes esses interesses divergem. E é nestas ocasiões, nestes momentos de tensão, que importa que os interesses públicos sejam salvaguardados. Eles, por regra, porque são amplos, porque interessam e têm uma relação com o todo social, devem sobrepor-se a quaisquer interesses particulares ou de grupo que os contrariem ou ponham em causa.

Todavia, como vamos tendo notícia, nem sempre parece que seja assim…

Quando, por exemplo, um cidadão ou um empresário corrompe um funcionário para garantir a aprovação da licença de construção de um edifício cujo projecto apresenta maiores dimensões e menor qualidade do que o que seria legalmente admissível, na prática está a produzir uma distorção dos planos de urbanismo e a perda de qualidade da envolvência do quarteirão onde essa construção se concretizará e correlativamente da redução da qualidade de vida daqueles que vierem a habitar nesse bairro. Ou quando um empresário corrompe o funcionário decisor de um procedimento concursal de modo a conseguir a adjudicação da construção de uma infraestrutura pública – por exemplo uma rede de abastecimento de águas – por um preço superior ao real, está a provocar um aumento do custo da obra, o qual terá de ser suportado por todos os cidadãos. São apenas simples exemplos que podem ajudar a perceber o que pode estar associado às situações de conflito entre interesses públicos e interesses privados e aos custos que podem derivar das opções corruptas quando os interesses particulares prevalecem sobre os interesses públicos.

Independentemente dos factos concretos que sejam praticados, no essencial a corrupção traduz uma atitude egoísta daqueles que a praticam. E ela é egoísta sobretudo porque, como se procurou ilustrar, decorre da prevalência de interesses privados ou de grupo sobre os interesses públicos, com a agravante de incrementar custos financeiros que todos vão ter de suportar…