João Gomes, Visão on line,
A fraude, como qualquer acto criminoso, requer punição. Isto deve-se ao simples facto de que aplicar uma sanção serve não só para punir o prevaricador, mas também para desencorajar a prática. É, aliás, socialmente expectável que quem se desvie da norma comportamental da sociedade seja punido, já que alguns comportamentos ameaçam a estabilidade do grupo social. A prática de fraude é disto exemplo, já que ameaça o correcto e equitativo funcionamento da sociedade democrática.
Já foram aqui descritas várias abordagens ao combate à fraude, mas importa recordar que, independentemente da metodologia, este processo consiste fundamentalmente em detectar possíveis infracções, investigar casos suspeitos e encaminhar os infractores para sanção. Isto implica que, por muito eficazes que sejam os métodos de detecção e de investigação, se nunca forem aplicadas sanções adequadas, crescerá a noção de impunidade que estimula a prática de fraude (i.e. aumenta-se a capacidade de racionalização do acto).
Um possível exemplo desta ineficiência seria, imaginemos, se observássemos um caso em que a polícia detecta, investiga e encaminha para a Justiça inúmeros casos de fraude, corrupção ou crime financeiro, mas em que a quantidade de condenações é mínima e, acontecendo uma condenação, demora anos a chegar a uma conclusão, porventura quando já não há possibilidade de o Estado ser ressarcido, como seria expectável.
No caso exemplificado, os métodos de detecção funcionam, mas não se verifica qualquer sanção. Este resultado não serve como dissuasor de comportamentos anti-sociais como os descritos; antes, cria um clima de impunidade e de conivência e aceitação para com estas práticas. Acresce ainda que este tipo de injustiça gera revolta junto dos lesados (os contribuintes cumpridores da sociedade portuguesa), já que as sociedades democráticas têm a expectativa natural de que quem não cumpre a Lei é responsabilizado.
Se pensarmos nos problemas que este país atravessa, parece-me apenas normal que os contribuintes portugueses exijam que alguém seja responsabilizado por um erário público depauperado e por uma economia levada à estagnação. Afinal, os contribuintes são, rápida e intransigentemente, responsabilizados quando não cumprem com as suas obrigações:
• Os contribuintes devedores são penhorados (1) mas, em 2006, o Grupos de Estados Contra a Corrupção dava conta que, em Portugal, "desde 2002, as autoridades policiais desencadearam 1521 investigações de casos de corrupção, tendo completado 407. No entanto, o número de apreensões e de somas envolvidas foi mínimo. No ano de 2005 não se verificou um único caso de confisco de bens ilicitamente obtidos pela prática de crimes de natureza económica ou financeira." (2)
• Os contribuintes pagam contribuições para a Segurança Social, que encaixa um total aproximado de 34,75% do vencimento ilíquido dos trabalhadores por conta de outrem, com a expectativa de receber um apoio na reforma ou em situações de necessidade; no entanto, afigura-se que esta dificilmente terá meios para cumprir com as suas obrigações (3)
• Os bancos penhoram imóveis, muitas vezes adquiridos com recurso a créditos de qualidade questionável (4), mas a factura do BPN será suportada exclusivamente pelos contribuintes(5)
• As Finanças investem em penhorar alunos(6) mas desde os anos 90 que mais de 60% das empresas não paga IRC (7)
Não havendo sanção, ou sequer responsabilização, pelos danos causados pelos casos descritos acima, é expectável e compreensível que se gere uma forte revolta entre os contribuintes cumpridores. A responsabilidade de aplicar sanções, creio, é da Justiça, também financiada pelos contribuintes. No entanto, os resultados que produz (8) não parecem ser suficientes para criar junto dos contribuintes a clara noção de que qualquer pessoa que não cumpra a Lei é passível de responsabilização.
Os contribuintes portugueses acalentavam a expectativa de que os governantes eleitos desde 1975, a quem pagam impostos, iriam construir um país próspero e sustentável. Isto, nitidamente, não aconteceu. Estamos, aliás, numa situação dramática, da qual me parece difícil que saiamos se continuarmos a depositar o nosso futuro nas mãos das mesmas pessoas e, pior, se as deixarmos livres e impunes para repetirem o desastre dos últimos 20 anos (9). Parece-me portanto que, doravante, os contribuintes terão que monitorizar o cumprimento das suas expectativas, supervisionando atenta e activamente o trabalho dos governantes, eventualmente como proposto por projectos como este: https://www.facebook.com/groups/aderevotaintervem
Ainda assim, tudo isto só surtirá efeito se, efectivamente, houver uma responsabilização justa de quem não cumpra com as suas obrigações, como acontece hoje com a maioria dos contribuintes portugueses.
Uma prática muito eficaz para combate à fraude corporativa são os programas de whistleblowing, em que é garantida protecção de quem denuncie perpetradores de crimes ou outras ofensas. Se esta prática fosse instituída no sector público, talvez esta fosse uma boa medida para dar início à identificação de responsáveis dos problemas actuais, algo que, segundo a vox populi, é há muito devido.
Notas:
1. http://www.dn.pt/especiais/interior.aspx?content_id=2855894&especial=Revistas%20de%20Imprensa&seccao=TV%20e%20MEDIA
2. “Para um modelo de segurança e controlo da criminalidade económico-financeira - Um contributo judiciário”, Jorge dos Reis Bravo
3. http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=25&did=35157
4. http://expresso.sapo.pt/quase-sete-mil-casas-entregues-aos-bancos=f714147
5. http://publico.pt/economia/noticia/bpn-custa-3405-milhoes-de-euros-aos-contribuintes-1565617
6. http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=25&did=87701
7. http://www.publico.pt/economia/noticia/eficacia-no-combate-a-evasao-fiscal-no-irc-esta-ao-nivel-da-decada-de-90-1449676
8. Ver http://publico.pt/sociedade/noticia/ministra-admite-que-portugal-ainda-tem-uma-justica-para-ricos-e-uma-para-pobres-1530593 e ver http://www.publico.pt/sociedade/noticia/portugal-novamente-condenado-na-europa-por-lentidao-da-justica-1576113
9. Ver: http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=25&did=87810; http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=25&did=41522 e http://www.ionline.pt/opiniao/ppp-sao-maior-escandalo-financeiro-portugal