José António Moreira, Jornal i,
No início do corrente ano o Governo aumentou a taxa de IVA do setor da restauração, de 13% para 23%. O teor da discussão em torno das consequências desta medida é, sem exceção, de natureza catastrofista: ocorrência de dezenas de milhares de desempregados, o fecho de milhares de estabelecimentos, um impacto negativo para o turismo, entre outras.
Porém, em finais de novembro, numa intervenção na Assembleia da República, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais informou a câmara que o montante de IVA arrecadado de janeiro a agosto nesse setor tinha aumentado, em termos homólogos, 122% (no regime mensal). A informação apareceu nos meios de comunicação social sem especial destaque, rapidamente desaparecendo.
Admitindo que os valores avançados pelo governante estão corretos – nesta data ainda impossíveis de comprovar –, um cálculo mental muito simples parece apontar para a existência de um paradoxo: a taxa de imposto aumenta 77%, o clima económico é recessivo, estes dois efeitos depressivos para o nível de negócios da restauração; no entanto, verifica-se um aumento da receita em 122%!
Parece haver uma explicação para este aparente paradoxo. Ocorreu no início de 2012 uma alteração tributária aplicada ao setor da restauração – passou praticamente despercebida na comunicação social – que obriga as empresas que faturem anualmente mais de 150000 euros a usar um programa de faturação certificado que envia a informação recolhida diretamente para a Administração Tributária (AT). Para essas empresas desapareceu, pois, qualquer flexibilidade para, na transferência dos valores registados para a contabilidade, subavaliarem o volume de negócios efetuado.
Tendo em conta que o setor da restauração foi desde sempre um foco de evasão fiscal, tal medida tributária pode ter contribuído sobremodo para o aumento da receita fiscal, talvez até mais do que o aumento da taxa de imposto. Isto explicaria o mencionado (aparente) paradoxo. A comprovação desta (por agora) especulação só poderá ser efetuada a partir dos valores respeitantes à faturação anual declarada pelo setor. No entanto, não será de admirar se, apesar dos tempos de crise, esta vier a crescer.
As medidas que entrarão em vigor para a generalidade das empresas no início de 2013, obrigando-as à emissão de fatura por cada transação efetuada e à comunicação diária à AT dos documentos de venda emitidos, irão limitar sobremodo as possibilidades de evasão fiscal por subfaturação. Poderão ter efeito idêntico ao referido para o setor da restauração. A curto prazo, é possível que haja “empresas” que irão ser “empurradas” para fora do mercado por efeito dessa medida, com consequências negativas ao nível do emprego. Porém, no médio e longo prazos, a redução da evasão fiscal trará inegáveis benefícios, sendo condição básica ao desenvolvimento e crescimento económico por que tanto se anseia.