José António Moreira, Visão on line,
Para o gigante alemão Deutsche Bank (DB) o ano de 2012 é, e será por muito tempo, um “annus horribilis”. A instituição comprovou em toda a sua plenitude a denominada Lei de Murphy: "Se alguma coisa pode dar errado, com certeza dará".
As situações sucederam-se: entre outras, condenação ao pagamento de avultadas indemnizações por comportamentos negociais menos corretos; acusação de evasão fiscal, com “assalto” das suas instalações pela polícia; fraude contabilística no montante de quase 10000 milhões de euros nos anos de 2007 a 2009.
Qualquer um destes casos poderia ser discutido nesta crónica. Porém, será sobre o último dos referidos que me deterei de modo particular. Os contornos genéricos da situação descrevem-se em poucas palavras: no âmbito de contratos de produtos financeiros derivados em que era interveniente, o banco acumulou nesses anos as referidas perdas, que “ocultou”, ao não reportar no seu relatório, para evitar receber ajuda pública e ser intervencionado pelo Estado alemão. A partir da denúncia de ex-funcionários, a situação veio a lume, primeiro negada pelo banco, depois reconhecida como tendo ocorrido.
Nesses anos a informação financeira do banco foi (e ainda é) auditada por uma das denominadas “Big 4” da auditoria, a KPMG. O parecer por esta emitido, em cada um dos períodos, tem uma constante: nenhuma reserva a fazer (a denominada “opinião limpa”). O Conselho Fiscal do banco também não fez qualquer reserva, aparentemente por não ter detetado a situação. Mais grave ainda, o “polícia da bolsa alemã” (correspondente à CMVM portuguesa) teria detetado a situação em 2009, no âmbito de auditorias de rotina, mas não a divulgou publicamente.
Duas notas de comentário. A primeira, e já em anteriores crónicas discutida ou latente, tem a ver com a impotência do cidadão comum, dos pequenos acionistas em particular, para perceberem a situação real das instituições onde depositam ou investem as suas poupanças. Se os organismos de fiscalização, que têm acesso ao interior da organização auditada e a toda a sua documentação não detetam as anomalias – ou detetando não as referem –, como podem esses cidadãos saber que algo não está bem? Deverá a dimensão e complexidade crescente das organizações ser objeto de discussão pública, antes que a sociedade seja confrontada, novamente, com “situações de facto consumado”, onde o último recurso é usar os impostos dos contribuintes para salvar organizações “demasiado grandes” para falir?
A segunda nota, tem a ver com a terminologia usada pelos meios de comunicação para reportar estes casos. Neste particular, em geral, a situação foi apresentada como sendo de “criatividade contabilística”, ou como consubstanciando um caso de “maquilhagem das contas”. Em qualquer destas titulações, a ideia que está subliminar é de algo leve, um “jeitinho” para dar um “look” mais bonito aos resultados da empresa. Porém, o correto teria sido titular a notícia por aquilo que ela é: uma fraude contabilística. Com efeito, a expressão “criatividade contabilística” – adaptação para o português da expressão inglesa “earnings management” – deveria aplicar-se apenas a casos em que de entre as soluções contabilísticas previstas nas normas a gestão da empresa adotou aquela que, em seu entender, produzia um impacte nos resultados mais próximo do desejado. Não foi o que aconteceu neste caso: houve adulteração da verdade, houve sonegação de informação materialmente relevante para se aferir a real situação da instituição, houve um atropelo ostensivo das normas contabilísticas. Esteve em causa uma atuação da gestão da empresa que é passível de sancionamento criminal.
Acredito que os jornalistas não têm um segundo sentido quando fazem uso dessas expressões “mais suaves” na caraterização de casos como o referido. Porém, cada palavra conta e, como tal, devem ser escolhidas para se adequarem à real descrição da situação. Em minha opinião, quando se usam expressões mais “suaves” – como o caso da “criatividade” –, o subconsciente coletivo, a sociedade, não interioriza em toda a sua profundidade a gravidade das situações. Ora, de modo particular quando se trata de instituições com a dimensão da agora tratada, isso é grave, pois subestimam-se os riscos corridos pela sociedade. Ou seja, dito de outro modo, os jornalistas, os meios de comunicação social para quem trabalham, ainda que sem o quererem, estão a deturpar a informação que produzem. Numa versão mais suave, estão a usar de “criatividade” informativa.