João Gomes, Visão on line,

Thoreau escreveu “simplifica, simplifica”, uma sugestão sábia mas difícil de interiorizar e, especialmente, de pôr em prática.
A nossa tendência inata para adicionar complexidade a sistemas que podiam, potencialmente, ser mais simples, tem vindo a trazer-nos sérios dissabores, como a crise de 2008 bem demonstrou. Uma das consequências da complexidade, neste caso, é que dificulta a tarefa de compreender as interdependências entre as várias engrenagens da “máquina” ou o impacto da actuação isolada sobre cada uma delas, o que dificulta a constituição de provisões realistas.
Este tema ocupa-me tempo de antena porque cruzei-me recentemente com um artigo na The Economist que abordava o risco latente no mercado de obrigações dos EUA. O artigo continha uma citação preocupante de um “veterano” deste mercado, que reconhecia a extrema dificuldade em compreender ou antecipar as consequências de um eventual crash.
Este artigo despertou-me a atenção porque, para além da questão em discussão, o problema da complexidade nas organizações e nos processos administrativos ou burocráticos é igualmente relevante. Muitas organizações investem uma parte significativa do seu esforço diário a executar operações desenhadas pelas próprias. Constata-se, contudo, que a complexidade destes processos (e eventuais sub-processos) causa frequentemente um dispêndio de esforço e/ou tempo superior ao que seria necessário ou ideal. E a possibilidade e necessidade de simplificação dos processos são, normalmente, reconhecidas pelos próprios executantes.
Outro problema inerente aos processos complexos é a sua particular vulnerabilidade à prática de fraude. Como foi amplamente abordado em crónicas anteriores, um dos vectores essenciais à ocorrência de uma fraude é o da “Oportunidade”. Quanto mais complexo for um processo – quanto maior o número de sub-processos e, especialmente, a quantidade de intervenientes internos ou externos – maior a quantidade e diversidade de oportunidades para subverter o seu funcionamento.
Podemos tomar como exemplo os sistemas de saúde, onde a complexidade dos cálculos de comparticipações e cobrança, bem como a respectiva validação, abrem a porta a múltiplos esquemas de fraude (e.g. unbundling, upcoding, facturação múltipla, entre outros). Também a complexidade inerente aos processos de prescrição, associada à interacção com actores externos, leva a que sejam frequentes esquemas de prescrição excessiva ou impossível, cobrança de valores anormalmente elevados ou redes de favorecimento ilícito.
A participação de múltiplos intervenientes sugere, ainda, que devem utilizar-se mecanismos de supervisão e controlos de âmbito global, já que os diversos participantes tenderão a preocupar-se exclusivamente com a sua responsabilidade, não detectando problemas que possam ter ocorrido antes ou depois da sua intervenção.
Muitos processos complexos tendem, também, a exibir elevada latência, ou seja, decorre muito tempo entre o seu início e o respectivo término. Tempo suficiente para que alguém possa cometer uma fraude e desaparecer antes de ser produzido qualquer alerta. Um exemplo é a “fraude em carrossel” no IVA que, na Europa, representa perdas fiscais na ordem dos milhares de milhões de Euros. O método explora as vulnerabilidades do processo de isenção de IVA em exportações entre estados membros da União Europeia, permitindo a reclamação de reembolsos de impostos nunca pagos, tirando também partido do tempo que decorre entre a recepção do montante relativo a IVA e a data em que este deve ser entregue ao Estado.
Independentemente da sua complexidade, os processos podem ser protegidos com controlos que, em cada momento da sua execução, validam a correcção das interacções realizadas e da informação produzida, facilitando a detecção de situações anómalas. A tecnologia pode, facilmente, reduzir a latência da execução das operações e produzir controlos eficientes e automatizados que validam, passo a passo, o progresso dos processos, detectando automaticamente tentativas de subverter o seu correcto funcionamento. Importa, no entanto, considerar que também a vertente organizacional da operação diária requer preocupação.
Finalizando, não quero com isto defender que tudo na operação de uma organização pode ou deve ser simplificado in extremis. Há processos que são necessariamente complexos. E as interacções com intervenientes externos são absolutamente comuns e inevitáveis na gestão moderna. Sugiro apenas que estes processos devem ser protegidos por controlos eficientes, reduzindo as vulnerabilidades que configuram uma “Oportunidade” para a prática de fraude. À semelhança do que ocorre em alguns mercados financeiros, a complexidade dificulta a detecção e compreensão de vulnerabilidades, bem como do impacto da ocorrência de problemas “inesperados”. Mas este risco pode - e deve - ser mitigado.
Como recomendava Albert Einstein, "Make everything as simple as possible, but not simpler" (“Fazer tudo tão simples quanto possível, mas não mais simples”).