Manuel Castelo Branco, Visão on line,
Quase todos nós reconhecemos que a fraude e a corrupção representam obstáculos ao desenvolvimento político, social e económico, sendo isso mesmo demonstrado por numerosos estudos (muitos deles realizados por especialistas do Banco Mundial). Suspeitamos também que as conexões políticas das empresas têm um impacto igualmente negativo a esses níveis. No entanto, pouco se sabe sobre os eventuais benefícios colhidos pelas empresas com conexões políticas. Que parte do sucesso destas empresas depende dessas conexões e em que medida se diferenciam tais empresas das empresas sem conexões políticas são questões que merecem reflexão. Mais importante ainda é saber se a difusão de tais conexões se traduz em custos económicos e sociais.
A este propósito, é impossível não mencionar a edição recente de um livro co-escrito por Jorge Costa, Luís Fazenda, Cecília Honório, Francisco Louçã e Fernando Rosas, com o sugestivo título “Os Donos de Portugal - Cem Anos de Poder Económico (1910-2010)”. Neste livro, os autores dão-nos conta, entre outras coisas, da promiscuidade entre poder económico e poder político em Portugal. A laboriosa recolha e análise dos percursos de 115 ministros e secretários de Estado de PS, PSD e CDS desde os anos 1970, permitiu aos autores verificar a existência de uma relação muito forte entre o poder político e o poder económico. Por exemplo, verificaram que um em cada cinco dos ministros e dos secretários de Estado que tomaram todas as decisões sobre economia em 30 anos passou pelo BCP e um em cada dez pelo grupo Espírito Santo. Colocam-se agora as questões relevantes de saber se a existência de tais conexões políticas se traduz em benefícios para as empresas e se delas derivam implicações negativas para a sociedade portuguesa. Não existem estudos que nos permitam responder a estas questões relativamente ao caso português. No entanto, existem diversos estudos efectuados a nível internacional que nos podem ajudar a compreender a importância de suscitar o problema.
No que diz respeito à primeira questão, alguns trabalhos recentes têm apontado os benefícios provenientes de conexões políticas. O leque de benefícios é vasto, abrangendo desde acesso preferencial a crédito a aumentos do valor de contratos públicos, passando por maior probabilidade de receber ajuda governamental no caso de problemas financeiros. No que diz respeito à segunda questão, podemos suspeitar que a distorção em termos da afectação de fundos públicos resultante da existência deste tipo de conexões políticas poderá ter repercussões importantes em termos de desenvolvimento económico e social.
Dois artigos muito recentes de Mara Faccio (Purdue University), autora que se tem dedicado a explorar este tipo de questões, vieram contribuir de forma significativa para o conhecimento sobre as repercussões desta realidade. Num primeiro artigo, publicado em 2010 na revista Financial Management, são apresentados resultados de um estudo que vêem reforçar evidências apresentadas em estudos anteriores, de acordo com as quais empresas com conexões políticas obtêm empréstimos mais facilmente e com condições mais favoráveis, nomeadamente de bancos controlados pelo Estado, e gozam de um tratamento fiscal favorável. Num segundo estudo, publicado em 2011 na revista Journal of Accounting and Economics, apresenta-se evidência de que a qualidade da informação contabilística divulgada pelas empresas com conexões políticas é inferior, o que sugere uma menor transparência por parte destas.
Estes estudos servem, no mínimo, para nos colocar de sobreaviso e nos fazer reflectir sobre esta problemática das conexões políticas e da sua inter-relação com a transparência e a corrupção nas empresas. Quanto a mim, olho com bastante desconfiança para esta realidade das relações entre poder económico e poder político. Legislação clara sobre este aspecto poderá contribuir para diminuir o risco inerente a este tipo de relações.