Jorge Alves , Visão online
No caso das consultas prévias, a empresa A, a quem a entidade pública pretende adjudicar os bens ou serviços, é contactada informalmente para indicar o valor dos fornecimentos pretendidos e sugerir o nome e contactos de mais duas empresas (B e C).
Era sábado de manhã quando o João, jovem empresário, se encontrou numa esplanada com o Pinto e o Silva, também eles empresários. Após os cumprimentos habituais, o João pegou no jornal que estava mesmo ali ao lado e deparou-se com a seguinte notícia: “85% dos contratos da Proteção Civil feitos sem concurso”. Esta notícia despoletou o interesse dos três amigos e alimentou a conversa entre ambos, naquela manhã quente de agosto.
O João começou por mostrar o seu desagrado perante o que a notícia revelava e aproveitou para desabafar sobre algo que o tem preocupado no âmbito da sua atividade empresarial e no que a este assunto diz respeito: - Não tenho conseguido vender nada para as entidades públicas! As compras são geralmente feitas por ajuste direto e quase sempre às mesmas empresas.
De imediato, o Silva perguntou-lhe: - Não sabes que isso é só para os amigos? Tens que te relacionar melhor com as entidades às quais pretendes fornecer bens ou serviços! E continuou: - As entidades, sempre que podem e os valores dos bens móveis ou serviços a contratar não excedem os limites previstos, 20.000€, procedem a ajustes diretos. Em muitos outros casos, e quando os fornecimentos a contratar são inferiores a 75.000€, o procedimento faz-se através de consulta prévia, procedimento recentemente reintroduzido, a pelo menos três entidades. Foram estes os procedimentos utilizados pela Proteção Civil, como é mencionado na notícia.
O Silva continuava a explicar como o processo de aquisição de bens e serviços se faz na generalidade dos casos: – No caso das consultas prévias, a empresa A, a quem a entidade pública pretende adjudicar os bens ou serviços, é contactada informalmente para indicar o valor dos fornecimentos pretendidos e sugerir o nome e contactos de mais duas empresas (B e C). De seguida, as empresas A, B e C são contactadas e convidadas pela entidade pública a apresentarem uma proposta. Paralelamente, as empresas B e C são também contactadas pela empresa A, para que apresentem propostas acima de um determinado valor, de modo que o fornecimento seja adjudicado à empresa A. Os empresários conhecem o modus operandi destes processos e as empresas colaboram umas com as outras.
Anuindo com o que o Silva advogava, o Pinto aproveitou para lembrar o seguinte: – Contudo, e certamente pelo facto de as entidades públicas recorrerem excessivamente ao ajuste direto e à consulta prévia junto das mesmas empresas, foram introduzidas alterações ao Código dos Contratos Públicos. Assim, se no ano económico em curso e nos dois anos económicos anteriores, na sequência de consulta prévia ou ajuste direto, uma determinada empresa acumular fornecimentos de bens móveis ou serviços a uma mesma entidade pública que ultrapassem, no máximo, 75.000€ na consulta prévia e 20.000€ no ajuste direto, essa empresa fica impedida de efetuar novos fornecimentos de bens móveis e serviços a essa mesma entidade pública.
Otimista em relação ao que ouvia, o João perguntou: - Então, esta limitação aumentará a transparência na contratação pública? Sorrindo, o Pinto acrescentou: Não creio! Os empresários facilmente gizarão soluções para ultrapassar essa limitação, como seja a utilização de outras empresas, onde os empresários possuam participações, de modo a alternarem os fornecimentos entre elas à mesma entidade pública.
A hora do almoço aproximava-se. Os três amigos despediram-se, partilhando a convicção de que muita coisa muda para que tudo fique na mesma, ou seja, na contratação pública a reintrodução da consulta prévia e a limitação na escolha das empresas convidadas não alterou hábitos antigos.