Carlos Pimenta , Visão online
Enfim a estes cidadãos exige-se pagamento de mais impostos, piores serviços públicos, preços mais caros e, obviamente, salários nominais mais baixos.
Estamos em Portugal nos dias de hoje. Todo o Portugal está habitado por cidadãos honestos e trabalhadores… Todo? Não! Uma pequena região da Madeira ꟷ Zona Franca da Madeira ꟷ está ocupada por irredutíveis empresas que resistem ainda e sempre aos impostos e aos cidadãos: impostos reduzidos ou nulos, segredo bancário inviolável e ausência de informação sobre os seus proprietários, empresas fantasma, sem espaço e sem funcionários, com «testas de ferro». Enfim cheio de recantos floridos para aromatizar dinheiros da corrupção, droga e outras maleitas, ausência de regulação e fiscalização (duas auditorias fiscais em 15 anos). Talvez por lá não haja tanto engenho e arte, mas por isso se integram numa rede mundial onde gravitam uns 32 biliões de dólares.
Entretanto o dia a dia não é fácil para os cidadãos, que anseiam por uma vida digna e usufruto do descomunal progresso tecnológico, porque têm de pagar todos os dias com o seu trabalho e dinheiro o que não é cumprido por aqueles.
Cinco personagens se destacam na Zona Franca da Madeira:
- Fugidix é o herói das nossas aventuras. Guerreiro, arguto e malicioso, contra os impostos, são-lhe confiadas, sem hesitação, todas as missões defraudadoras. A sua força acima de qualquer cidadão é-lhe garantida, para além das desigualdades crescentes de poder e riqueza no reino animalesco dos homens, pela ideologia de Propriamix.
- Criminolix é inseparável de Fugidix. Transportador dos crimes pesados do nosso planeta, apaixonado pela lavagem de dinheiro, Criminolix está sempre pronto a apoiar Fugidix numa nova aventura desde que aproveite para novas lavagens e conflitos.
- Propriamix é o proprietário venerável que recolhe os benefícios e prepara as fraudes necessárias para garantir a continuidade. A fonte do seu prestígio são as fraudes que dão uma força acima dos cidadãos às empresas da zona. Mas Propriamix tem sempre outras formas de actuar de reserva e só isso explica a propriedade maioritariamente privada da sua Sociedade de Desenvolvimento da Madeira.
- Mercadoturix é o cantor ideológico com opiniões repartidas sobre as suas qualidades: ele e os seus acólitos consideram-no maravilhoso, mas os cidadãos honestos da região envolvente consideram-no sem arte e é mais apreciado quando está calado.
- Governocursix é o chefe máximo do país, logo da região. Eloquente, metamorfoseado e garboso, o velho guerreiro político é respeitado pelos seus homens e eleito por amigos e inimigos. Só receia uma coisa: ser retirado do seu pedestal, o que evita adaptando o seu discurso.
No pequeno território as festas e os banquetes sucedem-se regozijando-se de pagarem menos impostos, por isenções fiscais, baixas taxas pagas e manipulações dos preços de transferência. Um amplo sorriso ilustra os seus rostos sobretudo desde que a sua existência foi obliterada. Para calar as bizarrias da União Europeia contam com pessoas influentes. Quando se reclamam informações Mercadoturix inventa canções que há muito fizeram esquecer as amarguras de 2009 ꟷ quando em reunião do G20 fingiram que não eram hipócritas e pressionados pela crise «decidiram» acabar, ou controlar, os offshores ꟷ e alimentam a alegria quotidiana. Governocursix diz que a bem da nação não dá informações, ao mesmo tempo que tudo faz para que no território continental se deixem de publicar estatísticas sobre as isenções fiscais, as instituições de regulação e fiscalização assobiam para o lado, as sugestões de «reforma» do sistema fiscal do reino de Portugal se esqueça que há naquela aldeia perdas anuais de receitas fiscais por ano, essencialmente pelo IRC, que ultrapassam os mil milhões de euros. Fazem com que os cortinados do espectáculo impeçam qualquer raio de luz sobre o que lá se passa.
Fugidix apropria-se do que não é seu cumprindo a lei. Criminolix mantem a funcionar uma rede mundial de territórios abençoados peles donos do mundo e manda construir altares à santa lavagem de dinheiro ꟷ estima-se que apenas 1% do dinheiro branqueado seja detectado pelas autoridades ꟷ e, dessa forma vai tomando conta dos negócios legais. Aqui e além tem de corromper ou mandar alguém para o reino dos céus, mas são coisas da vida. Propriamix contando com o apoio do governo da pequena ilha garante que tudo está bem no reino da irmandade de Ali Babá, promove baladas sobre a concorrência fiscal, baralha e volta a baralhar, e bate às portas necessárias para garantir a continuidade e a tranquilidade da pequena região. Governocursix comporta-se como seria de esperar, embora ande um pouco atordoado pelas danças do vira que tem rodopiado e porque nem sempre é a mesma personagem que caminha galhardamente sobre o escudo do poder. Quanto a Mercadoturix é subestimado, mas sem ele esta pequena região não existiria. É a sua lira que encanta cascavéis e melros, governantes e jornalistas, comentadores e aprendizes de feiticeiros, defraudadores e pagadores.
Entretanto os cidadãos honestos do nosso país, pagam centenas de milhões de euros que Fugidix, Criminolix e seus parceiros de aventuras não pagaram ou roubaram, alimentam pelo voto os Governocursix enfraquecidos e hipócritas.
Consta-se que o actual Papa Francisco mandou fixar no reino dos céus uma frase de São Shaxson
“Os paraísos fiscais actuam em todos os lugares, logo, no seu país, na sua cidade. Enfraquecem os governos eleitos, minam a base tributária dos Estados e corrompem a vida política. Apoiam uma vasta economia criminal e permitiram o surgimento de uma nova aristocracia das finanças e dos negócios que não prestam contas a ninguém”
Mas muitos dos ditos cidadãos ainda não a compreenderam, embalados pelas transferências dos jogadores, por noticiários mesquinhos e tendenciosos, por muitas partidarites agudas que corroem a lucidez e, obviamente, embalados pelas canções de Mercadoturix, que tem mais arte do que lhe é reconhecida, mesmo quando está calado.
Enfim a estes cidadãos exige-se pagamento de mais impostos, piores serviços públicos, preços mais caros e, obviamente salários nominais mais baixos.
É a vida para uns e para outros. Até quando?