Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)

É preciso superar a metáfora e não tombar no ideológico.

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1. Lutar pela «transparência» tem sido uma palavra de ordem nas últimas décadas, ora visando dar cumprimento ao Art. 15ª da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa ꟷ “A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração” ꟷ ora procurando tornar a actividade económica mais lúcida através de uma mais completa informação.

Mostramos no primeiro artigo sobre esta matéria ꟷ Ambivalência da Transparência ꟷ que há muita imprecisão sobre o significado desta palavra de ordem e que a sua proeminência coincide com um período de intensificação das fraudes e de consolidação do crime organizado transnacional, crescentemente associado à criminalidade de elites políticas e sociais.

Em muitas situações a «transparência» surge como uma metáfora admitindo que algo que é transparente é mais visível, logo mais exposto publicamente e conhecido, sem uma reflexão crítica rigorosa e científica sobre aspectos do significado efectivo dessas paredes de vidro, dos limites da informação e do segredo, e sobretudo sem uma adequada análise da correlação de forças subjacente a essa assimetria da informação e das correspondentes consequências políticas e sociais.

Se por um lado temos esta caracterização metafórica, por outro pode surgir como uma palavra de ordem ideológica, como procuramos mostrar na última crónica ꟷ O Mito da Racionalidade ꟷ, quando tende a fazer esquecer a inevitabilidade da diferente informação disponível pelos diversos intervenientes na actividade económica e admite a possibilidade do voluntarismo individual superar as características do actual modo de produção em que vivemos. Não é por acaso que a palavra de ordem «transparência» (re)nasce para as problemáticas sociais com a crise monetária asiática da passada década de noventa e surge como uma explicação desta, que precede a profunda crise económica iniciada em 2008, em todo o mundo (capitalista).

2. Não adianta usarmos «ses» irrealistas. O objectivo não é a transparência, mas tão somente a redução da opacidade, para continuarmos a utilizar uma metáfora. Lutar pela «transparência» é exigir socialmente mais informação, podendo envolver aspectos da actividade económica, mas visando sobretudo a actividade política e administrativa do Estado.

É preciso superar a metáfora e não tombar no ideológico. Se pretendemos continuar a utilizar a «transparência» como palavra de ordem de combate ao «encoberto», no qual se englobam as fraudes, é preciso precisar cientificamente o significado dessa palavra de ordem. Para tal pode ser relevante:

  • Correlacioná-la com o seu usufruto pela sociedade civil ꟷ “o conjunto das organizações voluntárias que servem como mecanismos de articulação de uma sociedade, por oposição às estruturas apoiadas pela força de um Estado (independentemente de seu sistema político)” ꟷ e a importância do «capital social» na dinâmica da sociedade.
  • Perceber os limites da informação e do sigilo, da informação e da desinformação, o que pressupõe, por um lado, uma análise detalhada da correlação de forças subjacente à relação entre o observador e o observável e, por outro, do impacto da relação da informação com os diversos tipos de fraude e com a política antifraude.
  • Na continuidade desta observação é bom recordar que, numa época de generalização da informática e da internet, «transparência» pode conduzir ao seu contrário, pois o controlo da informação individual pode levar à negação da liberdade e, sem esta não há democracia em política antifraude válida.
  • Integrar o «tempo social» na «transparência», estudar cuidadosamente o tempo mediável entre o observado e a correspondente reacção.

Enfim, a transparência e a informação são matérias estudadas por diversas ciências, por diversas disciplinas. É imperioso ter a capacidade de superar os contextos disciplinares e construir um conceito interdisciplinar.

Se formos capazes de agarrar estes diversos aspectos estaremos a caminhar para superar a metáfora e a ideologia e a construirmos uma nova política contra as fraudes.