António Gomes Dias , Visão online

Estamos cansados por continuarmos nos tempos da “velha senhora”, onde os títulos, apelidos e prestígio social eram suficientes para perpetuar a riqueza dos mais avantajados. Estamos cansados por ainda hoje se viver um clima de subserviência em que os poderosos, apenas por o serem, tudo podem.

Ao escolher o tema desta crónica, com o objetivo de abordar um tema atual, refleti sobre o relatório final da comissão parlamentar de inquérito à CGD e à divulgação, ainda que limitada, da lista agregada dos grandes devedores dos bancos que recorreram à ajuda pública. Porém, dada a massificação de notícias, sendo certo que algumas pouco acrescentam, decidi nada escrever sobre estes assuntos.

Estamos cansados do desvario dos bancos, estamos cansados porque foi a nós, população deste pequeno e belo país, a quem foi pedido, ou melhor, exigido, esforços significativos que em muitos casos adiaram sonhos, realizações e até mesmo o dia-a-dia.

Estamos cansados porque fomos nós, anónimos cidadãos, que emigramos, adiamos projetos, vimos salários congelados, sofremos um “enorme aumento de impostos”, vimos os bancos executar as penhoras das nossas casas e sentimos, na mesa, a chamada “crise económica e financeira”.

Estamos cansados porque fomos nós que pagamos, estamos cansados por ainda estarmos a pagar, estamos cansados porque todos, num amplo exercício de cidadania, fomos corresponsáveis pelas práticas de muito poucos.

Estamos cansados da arbitrariedade de “quem pode”, estamos cansados da sua fraca memória, estamos cansados do seu “esquecimento”.

Estamos cansados por continuarmos nos tempos da “velha senhora”, onde os títulos, apelidos e prestígio social eram suficientes para perpetuar a riqueza dos mais avantajados. Estamos cansados por ainda hoje se viver um clima de subserviência em que os poderosos, apenas por o serem, tudo podem.

E agora, sem querer cansar quem já está cansado, peço a vossa atenção para alguns dados que nos obrigam a refletir:

  • Segundo o relatório “The costs of corruption across the EU” apresentado no final de 2018 no Parlamento Europeu, os custos associados à corrupção em Portugal somam cerca de 18,2 mil milhões de euros por ano (7,9% do PIB), mais que o orçamento da saúde, mais do dobro do montante gasto em educação, mais de metade do orçamento total das despesas sociais.
  • Entre 2015 e 2018, de acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna, foram iniciados 3453 inquéritos por Corrupção. Destes, só 128 deram origem a acusação, isto é, pasme-se, apenas 3,7%.
  • Dos restantes 1527 (44%) foram arquivados e 1176 (34%) foram findos por outros motivos (não explicados nos referidos relatórios). Os restantes, em princípio, foram alvo de suspensão provisória.
  • Falta ainda saber, dos poucos que deram origem a acusação, quantos deram ou virão a dar penas efetivas devidamente sancionadas pelo nosso sistema judicial.
  • Poderia ainda referir-me aos inquéritos iniciados por outros crimes de índole económica e financeira, entre outros, abuso de poder, branqueamento de capitais, peculato, fraude fiscal, desvio de subvenções, prevaricação ou administração danosa, mas como não quero cansar o leitor, adianto que a percentagem de inquéritos arquivados é muito superior aos que deram origem a acusações.

Pois bem, se existe corrupção e as entidades oficiais abrem muitos inquéritos que não se convertem em acusações, o que se passa? São os inquéritos abertos por denúncias maliciosas e infundadas, não se tendo verificado qualquer crime? A obtenção de indícios que suportem a verificação do crime é insuficiente? A obtenção de provas é impossível? Estarão os diversos agentes preparados para a investigação deste tipo de crimes?

Sem querer estabelecer uma relação direta entre os factos, com o objetivo de promover a discussão, até agora quase silenciosa, recordo que no recente relatório divulgado pela GRECO (grupo de estados contra a corrupção), Portugal é o país com maior proporção de recomendações anticorrupção não implementadas, aparecendo em último lugar entre 26 países Europeus.

E desculpem… sei que estão cansados. Mas permitam-me questionar o papel das autoridades de supervisão. São ou não são Autoridades? Como são nomeados os seus responsáveis? São responsáveis pelos seus atos? Existem conivências que resultam do excesso de confiança entre as partes? E a supervisão externa funciona? Porque não são solicitadas auditorias preventivas? Porque não investir em profissionais qualificados, responsáveis e passíveis de efetiva responsabilização?

Num país que democratizou o ensino, num país de “doutores”, embora uns, por apelido, por amizade ou pelo cargo que exercem, sejam mais doutores que outros, continuamos a ser provincianos.

Estamos cansados por não termos garantias de que alguma coisa se aprendeu, e na verdade, parece-me que de facto nada aprendemos.

Não sei se somos a Alice, o Gato, o Coelho ou mesmo o Chapeleiro Louco. Certo, é que não somos a Rainha de Copas… Por isso, em desabafo, dizemos - ESTAMOS CANSADOS!

Porém, apesar de cansados, inocentes como a Alice, continuamos CONFIANTES!