José António Moreira, Visão on line,
Dos contactos que vou tendo com pessoas mais directamente ligadas à actividade empresarial, mas também do que leio e ouço nos media, vai tomando forma um conjunto de indícios que têm a particularidade de apontarem num mesmo sentido: apesar da elevada e crescente taxa de desemprego em Portugal, há empresas que se defrontam com dificuldades em suprirem as suas necessidades de mão-de-obra.
Face a este tipo de situação, geralmente contraponho, a quem delas me faz eco, que talvez os postos de trabalho a preencher não tenham sido publicitados devidamente. Aquilo que me garantem é que, para além da publicitação nos meios de comunicação habituais, tais postos ainda são publicitados, formalmente, junto do Instituto de Emprego. Mais, que quando este consegue enviar alguns potenciais candidatos, e eles iniciam o trabalho – o que nem sempre acontece –, uma boa parte acaba por desistir ao fim de muito pouco tempo, invocando as razões mais variadas, pedindo apenas que a empresa lhes carimbe o boletim que terão de entregar no Instituto para poderem continuar a usufruir do apoio social.
Quando, actuando quase como advogado do diabo, eu insisto que possivelmente as empresas necessitam de operários muito especializados ou que oferecem os postos de trabalho por períodos muito curtos, na generalidade dos casos as respostas que obtenho é que não se trata de uma coisa nem da outra: empregos indiferenciados não têm melhor sorte do que os especializados, e nem a oferta de um contrato de trabalho sem termo é garantia de se ser mais bem sucedido. Em suma, aquilo que sustentam é que os desempregados não querem trabalhar.
Não é preciso ser-se investigador para ter consciência do erro em que se pode incorrer quando, a partir de um conjunto limitado de observações (uma pequena amostra), se faz uma generalização para a população. Opto, pois, por não generalizar. Prefiro pensar que tive sorte (ou azar) em me defrontar com um punhado de situações que apontam genericamente num determinado sentido, e que essas situações não são necessariamente representativas do universo das cerca de 600 000 pessoas actualmente desempregadas em Portugal.
Porém, julgo que estes “boatos” (vou considerá-los assim) deveriam ser objecto de análise pelos poderes públicos, quanto aos seus reais fundamentos e com o intuito de se procurar perceber o que realmente se está a passar a este nível. Seria, inclusive, uma forma de proteger os próprios desempregados de uma imagem (negativa) que deles se vai criando na sociedade.
Independentemente do que se viesse a apurar, julgo que é tempo de se repensarem as prestações sociais, o “subsídio de desemprego” em particular. Com efeito, o trabalho tem uma função social e pessoal que vai muito para além de ser a fonte de rendimento que permite a cada um possuir uma vida digna. Por isso, a dimensão abrangente do trabalho deveria ser tomada em consideração quando se procura apoiar o desempregado. Actualmente, aquilo que se faz é dar a este um determinado montante monetário para suprir, em parte, a perda de rendimento que ocorreu com o fim do seu contrato de trabalho. Ou seja, esquece-se que existe uma outra dimensão do trabalho, aquela que nos faz levantar da cama em cada manhã, que nos faz partir para mais um dia de luta, que nos faz sentir vivos e úteis. Sou de opinião, pois, que se devia rever o sistema de apoio aos desempregados de modo a procurar incluir esta outra dimensão.
Pelo menos em abstracto, não parece que fosse muito difícil. O sujeito que se visse desempregado receberia um pacote de apoio com uma dupla vertente: a monetária, como actualmente, para que pudesse suprir as suas necessidades básicas; a da “estabilidade emocional” (chamemos-lhe assim), por via da obrigação de prestar uma pequena contrapartida de trabalho social – ou, em alternativa, fazer formação profissional –, que, sem lhe retirar o tempo necessário para procurar alternativas de emprego, lhe transmitiria a certeza de que continuava a ser útil à sociedade.
Uma solução deste tipo, que pode ser considerada “politicamente incorrecta”, tenderia a ser mais saudável para ambas as partes – a sociedade e o sujeito – e mais equilibrada do que a mera diminuição da componente monetária que, actualmente, vem sendo defendida como a solução capaz de levar o desempregado de volta ao mercado de trabalho no mais curto espaço de tempo.
Além disso, cortaria cerce a possibilidade de cada um de nós, empregados, cair na tentação de inferir, a partir de indícios como os que acima referi, que os desempregados protelam o retorno à vida activa enquanto não esgotam o período de atribuição do respectivo “subsídio de desemprego”.