Carlos Pimenta, Visão on line,

1. Foi difundida pela Lusa a informação de que segundo um estudo de Friedrich Schneider, economia paralela (a economia sombra na designação utilizada pelo autor referido) em Portugal passou de 18,7% do PIB em 2008 para 19,7% no ano seguinte, sendo o nosso país um dos piores da OCDE.
Apesar de não termos conseguido confrontar esta informação com o estudo original - o que teria permitido perceber os métodos utilizados para obter estas estimativas, logo podendo permitir retirar conclusões mais sólidas - podemos dizer que as informações não são novas. Basta ler algumas das nossas crónicas anteriores para o constatar. Não subestimando a grande valia dos trabalhos do investigador alemão (que melhorou as formas de fazer estimativas, que compilou um vasto conjunto de informações e que tem procurado introduzir novos elementos na explicação da economia sombra), trabalhos recentes do Observatório de Economia e Gestão de Fraude revelaram para Portugal uma informação mais pormenorizada que esta.
Os dados são preocupantes e afectam todos nós. Mas também são preocupantes, e afectam todos nós, as afirmações do Ministro da Economia a propósito destes dados.
2. Deixemos, aqui, de uma forma singela, alguns comentários a algumas das suas afirmações.
"não se conhecerem os seus dados (…) [mas] o problema existe" (Sic Online - 5/9/2010)
É verdade, a economia sombra existe e é um problema. Basta recordarmos que a economia sombra engloba, é certo, a economia de subsistência (frequentemente designado por "biscato"), mas as suas principais componentes são as actividades ilegais (da droga ao tráfego humano, da pesca internacional clandestina à destruição indevida de produtos tóxicos, do comércio de órgãos humanos à institucionalização da pedofilia, da utilização do trabalho infantil ao trabalho escravo, etc.) e as actividades encobertas para fugirem aos impostos e outras contribuições sociais (economia subterrânea).
Exactamente porque estas actividades são praticadas de forma escondida, não há dados estatísticos, publicados pelo Instituto Nacional de Estatística ou pelo Eurostat, mas isso não significa que não hajam muitos dados exactos e fidedignos. Isso não significa que não seja possível medir, de uma forma aproximada, é certo, o seu volume num determinado momento e, sobretudo, fazer comparações e detectar evoluções.
E para quem não conhece as metodologias utilizadas convém afirmar categoricamente: os dados divulgados, e a cima referidos, estão subestimados. Os métodos de estimação utilizados tendem a captar mais a economia de subsistência e a economia subterrânea do que a economia ilegal.
"em tempos de crise é habitual que se facilite ou incremente essa tendência [de aumento da economia paralela]"
Será mesmo? Se é possível admitir um aumento da economia de subsistência nos períodos de crise, o mesmo não se poderá dizer das restantes parcelas: será que as actividades ilegais também são afectadas pela crise? Não se confunda economia subterrânea (que passa à margem do registo na contabilidade do país) com dificuldade de pagamento das dívidas, com o aumento dos impostos em atraso.
De qualquer forma, tecnicamente é impossível fazer análises de conjuntura, de variação ano a ano, ou trimestre a trimestre. Não o é, pelo tipo de estimativas que são feitas, pelas variáveis envolvidas e pela dificuldade de se estar já a obter informações consistentes para 2009.
De qualquer forma, não se pode centrar a crise de sobreprodução e monetário-financeira que se tem vivido como centrada exclusivamente em 2009. O ano de 2008 já é ano de crise.
De qualquer forma, é uma conclusão que vai contra as estimativas realizadas. Segundo os estudos de Schneider estas estimativas para 2008/2009 são inferiores a outras que ele apresenta para Portugal para anos que não foram de crise. Segundo as últimas estimativas do Observatório de Economia e Gestão de Fraude há uma tendência de aumento da economia sombra em Portugal, independentemente das oscilações trimestrais ou anuais.
"não pode deixar de ser considerado positivo (…) dar emprego às pessoas (…) de uma forma frágil"
Schneider está a falar da economia sombra e o Ministro está a pensar exclusivamente na economia de subsistência (que, aliás, é frequentemente atacada pela legislação portuguesa, e que esteve no alvo do Ministro das Finanças, por várias vezes). Mesmo para esta será verdade?
Quantas empresas despediram funcionários, ou não empregaram mais, porque sofreram concorrência desleal, por não pagamento de impostos de alguns? Porque sempre tiveram um comportamento ético e de cumprimento da lei? Porque tiveram que defrontar-se com a concorrência de produtos provenientes das actividades ilegais? Porque perderam concursos por recusarem a utilização da corrupção e não terem "cunhas" poderosas ou "portas giratórias" para pessoas influentes? Porque têm empresas no mesmo sector com trabalho infantil, com imigrantes ilegais, mesmo escravos? Quantos?
É a tudo isto que se designa por fragilidade? Que suavidade linguística!
"merece um combate, porque distorce a concorrência"
Já o dissemos, concordamos que "merece um combate". Mas que "miséria franciscana" justificar esse imperativo pela distorção da concorrência no sacrossanto mercado. E a prática das actividades ilegais, com as suas dramáticas consequências humanas? E o aumento da corrupção roendo os alicerces da sociedade democrática? E o agravamento brutal das desigualdades na distribuição do rendimento? E a degenerescência das relações sociais e éticas entre os cidadãos? E a facilitação da actividade das organizações criminosas internacionais? E a penetração e imposição das máfias nas actividades económicas legais? E a diminuição das receitas do Estado por responsabilidade dos desonestos e defraudadores? E o agravamento do deficit do Orçamento Geral do Estado daí resultante? E a política de redução da classe média, de agravamento da pobreza, dita de austeridade?
"O Governo tem-se empenhado em ter uma política ativa de integração dessa economia na economia formal"
Ficámos satisfeitos em saber que o Governo tem uma política de combate à economia paralela. Ainda não tínhamos dado por isso!
Aqui ficamos à espera que sejam disponibilizados meios humanos e financeiros para a investigação das actividades económicas ilegais. Aqui ficamos à espera que todos os corruptos não exerçam cargos públicos. Aqui ficamos à espera pelo combate ao enriquecimento ilícito. Aqui ficamos à espera que as leis portuguesas sejam mais estáveis, realistas, aplicáveis e aplicadas. Aqui ficamos à espera que o Governo Português contribua para o encerramento dos offshores e dê o exemplo. Aqui ficamos à espera de tanta coisa que, como se diz, "é melhor estar sentado para não nos cansarmos".
Combater a economia paralela, sim, pela integração, não. Dispensamos a liberalização legal das actividades ilegais, a desculpabilização das empresas que fogem às suas obrigações contributivas, a promoção dos corruptos, a despenalização da fraude económico-financeira. Não era isso que queria dizer, pois não?!
3. Há atenuantes para as afirmações proferidas. Frequentemente os ministros são "pressionados" (não pelos jornalistas, mas pelo marketing político, pela necessidade de revelar que "tudo está bem no país das maravilhas", que "o governo está empenhado em qualquer coisa") a falar do que sabem ou sobre as quais não têm informações suficientes.
Mas, não seria mais "verdadeiro" ficarem calados nessas circunstâncias? Mas, não teriam mais credibilidade mostrando que não sabem e afirmando irem estudar o assunto (e irem mesmo!)? Os jornais ficariam com menos notícias mas os portugueses com maior sanidade mental.